Em 2009, o filme "Entre os Muros da Escola", dirigido por Laurent Cantet,
expôs ao mundo as dificuldades de um professor para lecionar a língua
francesa em uma escola de ensino médio na periferia de Paris. No final
do filme, ele pergunta aos alunos o que eles aprenderam no ano letivo.
Para a surpresa do professor, entre depoimentos sobre terem aprendido as
proporções da matemática, sobre vulcões e até mesmo expressões em
espanhol, uma aluna diz que não aprendeu nada. Segundo ela, o material
oferecido pela escola era inútil, mas ela havia lido livros
interessantes por conta própria, como "A República", de Platão. O
professor parece aliviado, mas quando a aula acaba, outra jovem se
aproxima dele e revela: "Comparado aos meus colegas, eu realmente não
aprendi nada (...) não entendo o que fazemos aqui."
Essa
situação não é muito distante da realidade de um professor brasileiro
nos dias de hoje. "O professor prepara a aula, ensina o conteúdo, passa
exercício, prova, recuperação e percebe que o aluno aprendeu o básico do
básico, às vezes, nem isso", conta o professor Fábio Ribeiro Mendes,
formado em Filosofia e Direito, e especialista em desenvolvimento da
autonomia no aprendizado, que desenvolveu um método de aprendizagem
ativa, baseado em Oficinas de Estudo.
Há dez anos, Fábio empreende uma cruzada contra o ensino chato, a
desmotivação dos alunos e a frustração e cansaço dos professores na
prática na sala de aula. Segundo ele, o diagnóstico compartilhado por
profissionais de educação mundo afora é que o modelo de aula expositiva
tradicional está falido, pois ensina pouco, e não desenvolve as
habilidades necessárias para o século XXI. "Os alunos em geral não sabem
estudar. Passamos doze anos na educação básica e não temos uma aula de
como estudar. E somos cobrados por uma tarefa que não aprendemos a
fazer", conta o professor.
Com base em sua experiência como
aluno, Fábio desenvolveu o Método de Estudo das Quatro Etapas, que
norteia as oficinas. "Mesmo sendo um aluno que tirava notas boas no
colégio, eu sabia que não era em função do estudo em casa. Eu achava
chato estudar. Mas quando fiz o segundo vestibular para Direito e fui
rever o conteúdo do ensino médio, notei que já não achava mais tão
chato, pois tinha aprendido a estudar sozinho."
As quatro etapas de estudo: 1ª leitura panorâmica; 2ª seleção e marcação de trechos relevantes; 3ª anotações; 4ª exercícios
O método se baseia em quatro etapas: 1ª leitura panorâmica (rápida e
superficial) do material de estudo; 2ª seleção e marcação dos trechos
mais relevantes no texto; 3ª anotações das informações mais importantes;
4ª exercícios (formulados pelo professor ou mesmo com base nas dúvidas
dos estudantes), que vão testar o conteúdo aprendido e ajudar os
estudantes a levantar dúvidas. A vantagem do método, afirma Fábio, é que
por meio de um roteiro de oficina de estudos os alunos acompanham as
etapas de ensino, e sabem se estão avançando ou não.
Em seu
livro "A Nova Sala de Aula", Fábio demonstra como funciona o método na
prática. Primeiramente, o professor apresenta aos alunos o material que
servirá de base para o estudo, e em seguida, traz as ferramentas (método
de estudo), explicando passo a passo cada uma das etapas a serem
seguidas. O professor acompanha a prática dos alunos, orientando-os no
percurso, porém, é o aluno, em seu próprio ritmo que toma as rédeas de
seu aprendizado, lendo e relendo o conteúdo, e mesmo avançando se já o
tiver compreendido, até chegar à fase de produção de anotações e
elaboração de exercícios. "Estudar não é aquilo que fazemos no colégio,
aquilo é receber conteúdo. Estudar é aprender por conta própria com
conteúdo inédito. É um mito de que sem um professor não se consegue
aprender", diz Fábio.
A principal mudança em relação ao método
tradicional, é que as Oficinas de Estudo são centradas no aluno e não no
professor. Fábio, no entanto, é enfático em afirmar que seu método não
tem como objetivo acabar com a função da escola ou do professor. Ele
explica que, enquanto o ensino tradicional é pensado de forma
unidirecional, com alguém que sabe o conteúdo passando para alguém que
quer aprender, o que ele propõe é trabalhar com um método que possa ser
aplicado dentro das instituições de ensino como elas estão estruturadas,
com custo praticamente zero, início imediato e protagonismo dos
estudantes nas aprendizagem.
Depoimento
"Meu nome é Sandra Hoffmann e sou professora de Matemática em Santa
Cruz do Sul (RS), e sou formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul.
Em 2013 assisti a uma palestra do professor Fábio Mendes e fiquei
encantada com a proposta de trabalhar com Oficinas de Estudo. Li o livro
A nova sala de aula do autor e decidi aplicar a metodologia em duas
turmas de 7º ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental Petituba.
Para isto, fiz pequenas adaptações em relação a proposta do livro. O
primeiro passo foi a preparação do material para alunos do 7º ano.
Organizei cópias de um livro didático sobre equações do 1º grau e
distribui aos alunos. Com a minha orientação, eles realizaram as etapas
de leitura panorâmica e marcações.
Na matemática é muito
importante ter conhecimento prévio de determinados assuntos. Pensando
nisso, propus aos alunos a criação de um glossário matemático. Por isso,
levei para a aula outros livros didáticos e dicionários, para que os
alunos elaborassem o glossário com as definições dos termos que eles
desconheciam. Após a elaboração do glossário, foi proposto que os alunos
fizessem suas anotações, seja na forma de um esquema, resumo ou tabela,
sem se preocupar com certo ou errado.
Com todas as anotações
reunidas realizamos um momento de debate. Foi muito enriquecedor, pois
fomos além dos conteúdos propostos inicialmente. Por exemplo, foi
debatido sobre a diferença entre as dimensões 2D, 3D e 4D, o que
provavelmente não teria acontecido se tivesse adotado uma aula
tradicional. Não foi necessário que eu explicasse o conteúdo para os
alunos, mas apenas esclarecer alguns pontos do material e auxiliá-los a
fazer as ligações necessárias entre os conteúdos e o material produzido.
Depois disso, os alunos realizaram exercícios diferenciados usando como
consulta as suas anotações. Foi muito interessante acompanhar os alunos
fazendo as relações das questões com as suas anotações. Muitos quando
tinham dúvidas formularam perguntas melhores do que as levantadas nas
aulas tradicionais. Ou até mesmo quando faziam a pergunta já percebiam a
relação com o conteúdo trabalhado nas anotações, chegando muitas vezes
ao raciocínio da resolução sem o meu auxílio direto.
Uma semana
após as aulas, eu me reuni com os alunos para avaliar o método. Eles
gostaram e pediram que as oficinas fossem realizadas novamente."
Fábio admite que é recebido com ceticismo nas escolas em que tem
implementado o método. "Chego para fazer formação dos professores e
encontro profissionais acoados, que escutam que terão de dar aula
diferente do que estão acostumados. É tanto peso que o professor
carrega, que eles pensam que terão mais uma carga em seus ombros. Eu
mostro que estou ciente com as dificuldades e que trabalhar com as
Oficinas de Estudos é um método menos desgastante e com mais
resultados", explica.
A principal dúvida dos docentes (e dos
pais) é por que o método de aula expositiva tradicional, que educou
várias gerações, deixou de funcionar? Fábio explica que alguns anos
atrás, antes da massificação da informação, a escola era o único local
onde as pessoas tinham a chance de aprender alguma coisa. "Agora com
YouTube, Google, Wikipedia, o aluno tem acesso à informação quando
quiser. A diferença é que ele não tem ainda a habilidade de saber qual
informação é relevante. E é aqui que entra o professor como orientador
no percurso de transformar informação em conhecimento."
O método criado pelo professor Fábio vem apresentando bons resultados.
Entre abril e maio de 2015, a Secretaria de Estado da Educação do Estado
de São Paulo testou as Oficinas de Estudo em dez escolas da Diretoria
de Ensino Região Centro-Oeste, da cidade de São Paulo, com a
participação de 1.102 alunos de diferentes etapas de ensino e 97
professores. O projeto, batizado de Aprendizado ativo no cotidiano
escolar - Capacitação de Professores em Oficinas de Estudo, mostra que
89,8% dos alunos avaliaram positivamente as oficinas, superando a meta
de 75% de avaliações positivas esperadas. Do total, 97,2% constataram
aprendizado sem orientação do professor. E apenas 0,6% dos alunos
tiveram uma avaliação negativa do método.
Em relação aos
professores, 93,8% avaliaram positivamente a formação. Quanto à
capacidade da didática ser replicada pelos professores, os dados mostram
que, após uma formação de apenas 3 horas/aula, os professores formados
alcançaram resultados similares (86,7% de aprovação, 95,9% de percepção
de aprendizado e 2,5% de rejeição) aos do professor-instrutor.
Em 2016, outro estudo foi realizado no Instituto Federal
Sul-rio-grandense (IFSul), com 138 alunos regulares do curso de
Filosofia. "Apliquei questionários anônimos na primeira aula ministrada
como Oficina de Estudo e também no final do semestre", explica Fábio. O
resultado das avaliações positivas (bom ou excelente) caíram levemente
(de 95,7% para 93,7%) entre o começo e o fim do curso, com rejeição nula
na primeira aplicação e de apenas 0,2% ao final do semestre. "Além
disso, após um semestre e aplicações das Oficinas de Estudo intercaladas
com debates ou outras atividades, 93% dos alunos afirmaram terem
aprendido a estudar melhor por conta própria e 69% afirmaram usar o
método das 4 etapas para estudar outras disciplinas".
Fonte: El País Brasil, em 25/01/2017.
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