domingo, 22 de outubro de 2017

Redação de textos acadêmicos e peças jurídicas têm regras próprias

* Por Vladimir Passos de Freitas

A redação na área das Ciências Jurídicas e, provavelmente, nas outras, vem se tornando um dos maiores problemas para os que escrevem e para os que leem. As peculiaridades da vida moderna, onde todos ficam permanentemente conectados aos aparelhos eletrônicos, trouxeram várias vantagens, entre elas a informação, mas cobram um preço alto na redação de textos.

Não raramente, artigos ou monografias de estudantes de Direito trazem parágrafos incompreensíveis, além do uso errado de crases, vírgulas e outros aspectos formais. O problema, todavia, não se confina nos cursos de graduação. Na área acadêmica já alcança trabalhos de mestrado e doutorado e, nas atividades forenses, petições, pareceres e decisões judiciais.

O combate às más práticas pode dar-se pela leitura de bons textos (e.g., Machado de Assis), redigir continuamente e participar de cursos com profissionais habilitados a apontar falhas.

Afinal, se os profissionais das áreas técnicas valem-se de cálculos, desenhos, gráficos, para exteriorizar seus pontos de vista, os profissionais do Direito têm na redação a comunicação de seus argumentos. Uma exposição clara e bem fundamentada pode ser a diferença entre a vitória ou a derrota.

As faculdades (ou escolas) de Direito cobram cada vez mais a elaboração de textos. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estimula os estudantes de graduação a participarem de investigações científicas, através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)[i], onde a correção e a clareza da redação são indispensáveis.

A redação oficial é regulada pela Lei Complementar 95, de 1988, que estabelece normas para a consolidação dos atos normativos.[ii] Muito embora direcionada para a edição de normas, nada impede que ela seja aplicada em atos administrativos e judiciais dos tribunais. Por exemplo:

Art. 10. Os textos legais serão articulados com observância dos seguintes princípios:
I - a unidade básica de articulação será o artigo, indicado pela abreviatura "Art.", seguida de numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste;
II - os artigos desdobrar-se-ão em parágrafos ou em incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em alíneas e as alíneas em itens;
III - os parágrafos serão representados pelo sinal gráfico "§", seguido de numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste, utilizando-se, quando existente apenas um, a expressão "parágrafo único" por extenso;
IV - os incisos serão representados por algarismos romanos, as alíneas por letras minúsculas e os itens por algarismos arábicos;

O artigo 11 faz menção à clareza. Todos estão de acordo que peças judiciais ou trabalhos acadêmicos devem ser de fácil compreensão. No dispositivo citado e seus incisos estão as recomendações para que isso se torne realidade. Entre outras, frases curtas e concisas, oração na ordem direta, evitar adjetivação excessiva, usar o tempo verbal com uniformidade.

Além disso, para que o texto seja o mais nítido e lógico possível, devem ser evitadas: palavras de duplo sentido; aspas, exceto se citação; palavra de outro idioma ou referência irônica; escrever entre parênteses números citados (exceto data ou número de lei); no caso de sigla, colocar na primeira referência o nome completo e, nas demais, apenas a sigla; e promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens, o que em muito facilita a compressão.

O Senado Federal editou em 1999 o Manual de Elaboração de Textos,[iii] orientando seus consultores na elaboração de pareceres ou textos legislativos. No item 3, “Observações relativas ao estilo”, afirma-se que, “ao elaborar pronunciamentos, proposições legislativas, pareceres, estudos ou notas técnicas, o consultor (emissor) há de ter em mente que o texto a redigir (mensagem) deve ser compreendido e aprovado pelo destinatário (receptor), mesmo porque resulta, quase sempre, de solicitação por este formulada”.

Essa preciosa lição merece ser seguida pelos profissionais do Direito. Se o advogado apresenta uma petição em juízo, deve cuidar para que ela seja de fácil compreensão pelo magistrado, pois, caso contrário, a possibilidade de indeferimento é maior. Submeter a peça ou a decisão a um terceiro, de preferência leigo, é uma boa forma de saber se ela é de fácil entendimento.

Um juiz, ao sentenciar, deve preocupar-se com os receptores, no caso as partes, que devem compreender por que venceram ou perderam a ação. Há ementas que transmitem todo o conteúdo e a mensagem do julgado. Por exemplo:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO MEIO AMBIENTE. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES.
1. Esta Corte já firmou a orientação de que é dever do Poder Público e da sociedade a defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para a presente e as futuras gerações, sendo esse um direito transindividual garantido pela Constituição Federal, a qual comete ao Ministério Público a sua proteção. 2. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. 3. Agravo regimental não provido.[iv]

Outras se perdem em dezenas de itens, algumas, em inadequadas cópias da motivação repetidas na ementa e outras, em frases de difícil compreensão a um leigo, como a que está abaixo:

Para infirmar a premissa fática consignada pelo acórdão recorrido de que não houve a comprovação de danos causados à parte, seria imperioso incursionar no contexto fático-probatório, providência vedada a teor da Súmula 7/STJ.[v]

Na área acadêmica, tais objetivos devem ser, da mesma forma, perseguidos, daí se seguindo normas complementares previstas nas regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Essas normas são adotadas na maioria absoluta dos países e permitem que artigos de países distantes, como Brasil e Ucrânia, sejam uniformes e compreendidos por diferentes leitores.

As normas da ABNT podem ser obtidas pelos interessados através de compra ou conhecidas por meio de curso, ambos ofertados no site da entidade.[vi]

Reportagem do jornal Gazeta do Povo sintetiza, com clareza, os pontos mais importantes a serem seguidos. Vejamos um exemplo. A divisão de qualquer trabalho deve ser feita em partes diversas que delimitem, para o leitor, o que está sendo abordado. Assim:

A introdução é a parte inicial do texto. Deve trazer os temas tratados no trabalho, delimitação, justificativa, objetivo da pesquisa e procedimentos adotados.

O desenvolvimento é o corpo do trabalho, a parte principal, onde deve constar uma exposição ordenada do assunto.

A conclusão é onde o autor faz uma recapitulação sintética do assunto e dos resultados da pesquisa, avaliando a contribuição e os méritos de seu trabalho.[vii]

Na realidade, estas partes, muitas vezes, se confundem, perdendo o rigor científico e tornando a leitura cansativa. Por exemplo, em determinadas dissertações de mestrado a conclusão se alonga por várias folhas, com citações, repetindo tudo o que foi dito nos capítulos. Errado. Ela deve ser a síntese do que foi afirmado e, se possível, articulada.

É comum que em trabalhos se faça um parágrafo contendo, ao final, o nome do autor e a data. Muitas vezes não se sabe se está se transmitindo o que o autor afirmou, o que exigiria aspas, ou se está comentando uma forma dele pensar. Há nisto tudo um risco, porque se for citação e não contiver aspas poderá haver uma acusação de plágio.

Citação de alguém que cita outro vem acompanhada da palavra “apud”, do latim, que significa “citado por”. Texto de mais de um autor deve citar os dois, quando passar de três pode vir com a expressão latina “et al”, que significa “e outros”. Citação de livros, se usado o sistema de nota de rodapé, deve vir ao fim da página, com o nome do autor, o artigo e a página. Mas nas referências bibliográficas deve vir com referência completa e sem o número da página. Por exemplo:

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia de Bolso, 2010.

Finalmente, observe-se que, muito embora não obrigatório, as premissas para a elaboração de artigos acadêmicos podem ser utilizadas nas peças processuais. Por exemplo, ao dar um parecer em mandado de segurança, o agente do Ministério Público tem a faculdade de utilizar a mesma divisão do trabalho (introdução, desenvolvimento e conclusão). Já no tocante às citações, tem liberdade para citar o autor na forma acadêmica ou no próprio texto, entre parênteses, como é da praxe forense.

Do que foi exposto, a conclusão finda por ser muito simples, mas nem por isso menos importante. A escrita ainda é a forma de comunicação nos processos judiciais e nos trabalhos acadêmicos, sendo a via oral ainda exceção. Se assim é, os profissionais do Direito devem dar atenção redobrada aos seus trabalhos, sob pena de eles serem ignorados ou rejeitados, buscando superar as deficiências quando estas se mostrem evidentes.


Referências:

[i] http://cnpq.br/pibic. Acesso em 4/10/2017.

[ii] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp95.htm, acesso em 4/10/2017.

[iii] https://www12.senado.leg.br/institucional/documentos/institucional/SF/OAS/CONLEG/arquivos/manuais/manual-de-elaboracao-de-textos, acesso em 5/10/2017.

[iv] BRASIL. STF, Ag. Regimental no Recurso Extraordinário 417.408/RJ, 1ª. Turma, Rel. Ministro Dias Tofolli, j. 20.05.2012.

[v] STJ, AgRg no AREsp 380601-SC-2013/025.7243-5, j. 28/5/2015.

[vi] http://www.abnt.org.br/adquira-sua-norma. Acesso em 5/10/2017.

[vii] http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/vida-na-universidade/pesquisa-e-tecnologia/regras-da-abnt-veja-as-normas-para-monografias-e-trabalhos-academicos-24m183ly0hqo75i0qrgiovpla. Acesso em 5/10/2017.

* Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

** Articulando esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do coletivo de educadores.

Fonte: Revista Conjur, em 09/10/2017.  

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