sexta-feira, 20 de junho de 2025

Sindicato dos professores de SP denuncia ataque à educação após afastamento de 30 diretores


Secretaria de Educação justifica afastamento por desempenho abaixo da média 

SINESP afirma que medida é ilegal, fere a gestão democrática e abre caminho para privatização das escolas.

O afastamento de 30 diretores da rede municipal de São Paulo por suposto baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), ocorrido na quinta-feira (22/5), acendeu o alerta entre educadores.

Para o Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (SINESP), a medida representa um “ataque sem precedentes à gestão democrática das escolas” e está inserida em um plano mais amplo da Prefeitura para privatizar a gestão educacional.

“A Prefeitura já tem um projeto para tentar terceirizar ou até privatizar as escolas públicas. E o SINESP já vinha denunciando, inclusive em Brasília, para tentar barrar esses ataques”, afirma Douglas Eduardo Rosa, diretor do Sindicato.

Segundo Douglas, a ação foi tomada sem qualquer diálogo prévio com os profissionais afetados ou com a comunidade escolar. Os gestores foram convocados pelas Diretorias Regionais de Educação (DREs) e informados de que seriam afastados para participar de uma “formação”, enquanto novos responsáveis seriam indicados para o cargo.

Críticas aos critérios de afastamento

De acordo com o SINESP, a troca de diretores foi feita sem qualquer critério técnico transparente ou participação da categoria. O sindicato classifica os novos responsáveis como “interventores” e denuncia que o processo tem sido conduzido de forma autoritária.

“Estão desrespeitando os conselhos escolares, que são compostos por representantes da comunidade. Isso é um desmonte da gestão democrática”, critica Douglas. Ele aponta que a justificativa utilizada pela Secretaria de Educação vai além dos índices do IDEB. “Além das notas, das avaliações externas, estão considerando se o diretor ficou muito tempo na escola ou se tirou poucas licenças médicas”, diz.

Para ele, o uso do IDEB como justificativa é inadequado: “Não faz o menor sentido afastar o diretor só porque a escola não teve avanço na média do IDEB. O IDEB não é para fazer ranking, ele foi criado para fortalecer as políticas públicas de educação básica. Dependendo da situação da escola, um décimo ou dois de crescimento já é um avanço significativo”.

O clima nas escolas é de insegurança e indignação. “Está um clima tenso, de tristeza também, claro, porque estão sendo muito desrespeitados”, lamenta o sindicalista. Ele alerta ainda para os riscos pedagógicos: “Corre o risco de voltarmos a uma educação bancária, como dizia Paulo Freire, que tem como objetivo apenas a classificação. Isso a educação não pode ter.”

O SINESP atribui os afastamentos à Lei Municipal nº 18.221, sancionada no fim de 2024, que permite a avaliação de diretores escolares com base em indicadores como o IDEB, sem considerar as desigualdades sociais e regionais. A lei foi aprovada sem debate com a categoria.

“Foi uma lei aprovada na calada da madrugada, sem discussão com os servidores públicos municipais. Essa é a base para essa medida arbitrária”, o diretor. “Coincidentemente ou não, logo após as eleições, o prefeito já falava publicamente sobre escolas com notas baixas no IDEB. A gente já enxergava o caminho que estavam traçando”, completa Douglas.

Histórico de terceirizações

O diretor sindical ressalta que a terceirização já é uma realidade nas escolas municipais em setores como limpeza e alimentação, e, agora, o mesmo modelo estaria sendo direcionado para a gestão pedagógica.

Além disso, o afastamento dos diretores representa, na visão do sindicato, uma ameaça concreta à estabilidade dos servidores concursados. “ Muitos gestores estão com medo de perder seus cargos, suas escolas. Temos vários diretores com mais de 10 ou até 20 anos na mesma escola. Não faz sentido afastar um profissional com tanta história e colocar no lugar alguém que não conhece a realidade daquela comunidade.É uma forma de precarizar a carreira pública. Quando atacam o diretor, atacam toda a escola e, principalmente, o estudante”, critica Douglas.

Resposta do sindicato

Diante do cenário, o SINESP que está oferecendo apoio jurídico e emocional aos diretores afetados. A entidade já havia ingressado com ação na Justiça contra a Lei nº 18.221, e agora também articula uma frente política com outras entidades da educação para barrar o que considera “um projeto de desmonte da escola pública”.

“Já tivemos vitórias na Justiça em outras frentes, como quando tentaram cortar 33% do salário de alguns gestores. Vamos lutar até o fim”, diz.

O que diz a Prefeitura

Leia a íntegra da nota:

A Secretaria Municipal de Educação (SME) informa que 25 diretores de escolas municipais em tempo integral serão convocados para participar, entre maio e dezembro, de uma requalificação intensiva do Programa Juntos pela Aprendizagem.

Esses profissionais atuam há, pelo menos, 4 anos em unidades prioritárias, selecionadas devido ao desempenho obtido no Ideb e Idep de 2023.

A capacitação, inédita, inclui vivência em outras unidades educacionais e tem como objetivo o aprimoramento da gestão pedagógica para melhorar a aprendizagem de todos os estudantes.

Fonte: ICL Notícias em 25/05/2025

quinta-feira, 19 de junho de 2025

MEC paga até R$ 864 por dia a certificador do Enem e da PND


Inscrições vão até o dia 30 de junho

Os servidores públicos do Poder Executivo federal e os professores das redes públicas de ensino estaduais e municipais, efetivos e em exercício em 2025, podem se inscrever para compor a Rede Nacional de Certificadores (RNC) do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2025 e da Prova Nacional Docente (PND) até a próxima segunda-feira, 30 de junho.

Os interessados em ser um certificador dos procedimentos de aplicação do Enem e da PND 2025 podem se inscrever pelo Sistema RNC do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

É necessário ter formação mínima do ensino médio e não é permitida a inscrição de quem tem cônjuge, companheiro ou quaisquer parentes de até terceiro grau inscritos no Enem ou na PND 2025, também chamada de Enem dos Professores. Caso já tenha cadastro no sistema, o candidato a certificador deve conferir se os dados estão atualizados.

O que faz

O certificador voluntário é o profissional responsável por garantir a segurança, a lisura e a conformidade dos processos de aplicação do exame. Ele atua como um fiscal externo representando o Inep em cada um dos locais de prova.

Entre as atividades realizadas por um certificador estão o recebimento e abertura dos malotes de prova; identificação dos participantes; o controle dos horários de início e encerramento das provas.

O Enem 2024 foi aplicado em 1.753 municípios, com 140 mil salas de prova, em cerca de dez mil locais de prova. O Inep informa que a logística envolveu dez mil coordenações de aplicação e mais de 500 mil colaboradores neste processo.

Remuneração

Os profissionais selecionados pelo Inep poderão atuar na primeira da Prova Nacional Docente (PND), agendada para 26 de outubro, e nos dois dias de provas do Enem 2025 (9 e 16 de novembro). A remuneração diária é R$ 510. Em casos de atuação em municípios com número insuficiente de certificadores, com deslocamento superior a 150 quilômetros do município de origem, a diária passa a ser de R$ 864.

Nas cidades paraenses (Belém, Ananindeua e Marituba), o Enem será aplicado em 30 de novembro e 7 de dezembro, devido à realização na capital do Pará da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), no período de 10 a 21 de novembro.

Conforme o edital, o certificador participante poderá atuar em um ou mais dias de aplicação das provas dos dois exames (Enem e PND 2025).

Curso de capacitação

A divulgação dos inscritos confirmados e convocados para o curso de capacitação será feita em 14 de julho. Nesta data, a lista dos inscritos convocados para realizar o curso de capacitação e as demais etapas do processo seletivo poderão ser consultadas na Página de Acompanhamento dos certificadores, o Sistema RNC.

Os interessados com inscrição confirmada poderão realizar o curso de capacitação, na modalidade a distância, promovido pelo Inep, conforme o número de vagas disponíveis.

Para ser aprovado com certificador, a pessoa inscrita deve obter rendimento mínimo de 70% no curso de capacitação. A data do início da capacitação ainda será divulgada na Página de Acompanhamento.

Convocação

O Inep pode convocar para o curso de capacitação pela plataforma virtual até três vezes a quantidade estimada da demanda para cada município, usando como critério a ordem de inscrição confirmada.

Caso a quantidade de certificadores aptos a receber a demanda excepcional exceda o quantitativo necessário para preenchimento de determinado município de aplicação, a seleção do certificador ocorrerá obedecendo aos seguintes critérios de prioridade:

- atuação como certificador na edição do ano anterior do Enem;

- maior rendimento no curso de capacitação;

em caso de empate nos critérios definidos, a demanda será gerada por sorteio realizado no sistema da RNC.

Confira o cronograma da seleção:

Inscrições no Sistema RNC: 5 a 30 de junho;

divulgação dos inscritos confirmados e convocados para capacitação: 14 de julho;

período para recursos das inscrições não confirmadas: 15 a 22 de julho;

resultados dos recursos: 11 de agosto.

Fonte: Agência Brasil em 16/06/2025.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

MEC diz que licenciaturas deverão ter 50% de aulas presenciais, apesar de nova regra permitir 30%


Regras do governo Lula têm causado questionamentos por não serem explícitas na formação de professores; Engenharia poderá ser semipresencial, com 40% de aulas presenciais

O MEC (Ministério da Educação) afirmou que os cursos de formação de professores deverão garantir que 50% das aulas sejam presenciais apesar da definição do novo marco do EAD (educação a distância), que permitiu 30% de aulas presenciais em uma nova modalidade, a semipresencial.

Segundo a pasta, as licenciaturas continuam a ser regidas pelas Diretrizes Nacionais específicas, a não ser que essas sejam revistas.

Questionado pela Folha de S.Paulo, o MEC diz que “a não ser que haja revisão das Diretrizes, que talvez seja necessária porque não havia a previsão de cursos semipresenciais, essas [diretrizes] prevalecerão em relação ao definido na portaria, ou seja, 50% de atividades devem ser presenciais”.

A licenciatura em Pedagogia é o curso com maior número de matrículas no país: 852 mil, sendo 689 mil no EAD (77%). Dos 9,9 milhões de alunos de Ensino Superior no Brasil, 49% estão em cursos de EAD, segundo dados de 2023 (os mais recentes divulgados).

As publicações do governo têm causado questionamentos entre especialistas de educação que acompanham o tema exatamente por não serem explícitas na questão de formação de professores.

As diretrizes foram elaboradas pelo CNE (Conselho Nacional de Educação) e homologadas pelo MEC no ano passado, mas ainda não estão em vigor. Já há previsão de uma revisão das Diretrizes Nacionais da formação docente para adequá-las ao novo marco do EAD, de acordo com relatos.

Representantes do mercado ouvidos pela Folha sob anonimato dão como certo que o CNE irá atender os percentuais do novo marco. Mas isso não está garantido.

O presidente Lula (PT) assinou na segunda-feira (19/5) um decreto com as novas regras do EAD no Ensino Superior, publicado no Diário Oficial da União nesta terça. Há um prazo de dois anos para adaptação às novas regras.

Regulamentação do EAD

A nova norma regula limites de atividades online no Ensino Superior, cria o novo formato de curso semipresencial, elenca cursos vetados para a EAD e também revê limites de atividades remotas nos cursos presenciais.

Também foi publicada nesta terça uma portaria com outros detalhes sobre cursos das áreas de educação, saúde, engenharias e agricultura.

Essa portaria define que as graduações nas áreas de educação e de engenharia não poderão ser ofertadas exclusivamente online, mas podem ser semipresenciais ou presenciais.

Esse veto explícito para esses casos não apareceu no decreto, que, por sua vez, exige que haja apenas o formato presencial em medicina, direito, odontologia, enfermagem e psicologia.

Nos cursos semipresenciais, metade da carga horária poderá ser online, 20% com atividades online ao vivo (síncronas) mediadas e o restante (30%), presencial.

O decreto do governo faz uma ressalva com relação aos cursos semipresenciais, indicando que os percentuais relacionados ao formato das atividades podem variar caso haja previsão nas Diretrizes Curriculares Nacionais de áreas e cursos, o que ocorre com as licenciaturas.

Mas tanto no decreto quanto na portaria que o regulamenta os percentuais indicados são de uma permissão de 30% para aulas presenciais, e não os 50% determinados na resolução das Diretrizes Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica.

A Folha de S. Paulo mostrou, antes da publicação do decreto, que as licenciaturas poderiam se enquadrar no formato semipresencial e computar atividades síncronas em conjunto com as presenciais. A expectativa é de que as novas diretrizes mantenha isso.

O ministro Camilo Santana fez várias críticas sobre o EAD sobretudo na formação de professores. A homologação das diretrizes, no ano passado, veio acompanhada de pressão de empresários do ensino superior privado — sob o argumento de que ampliar exigências de presença pode inviabilizar cursos, aumentar preços de mensalidades e afastar alunos pobres e de lugares distantes dos centros.

A portaria traz percentuais diferentes da regra geral para outros casos.

Para os cursos da área de Engenharia no formato semipresencial, por exemplo, a exigência é de que ao menos 40% das aulas sejam presenciais (e não 30% como no geral), além de outras 20% de atividades síncronas mediadas por professores.

Cursos de Saúde, Agricultura, Silvicultura, Pesca e Veterinária também seguem esse parâmetro. A exceção, no caso de saúde, são os cursos que só podem ser presenciais. A portaria também coloca que Medicina não pode ter qualquer carga online — para todos os outros cursos presenciais, há liberação de 30% remoto.

De acordo com o MEC, “a portaria traz regras gerais e percentuais mínimos a serem adotados para os cursos semipresenciais nos graus bacharelados, licenciaturas e tecnologia” e, no caso da área de educação, “outros cursos são abrangidos para além da formação de professores”.

Além das licenciaturas, a área de educação inclui graduações em Administração Educacional e Educação Organizacional. Também há oferta de bacharelado em Pedagogia, que não é abarcada pelas Diretrizes Nacionais do ano passado e cujo número de matrículas é pequeno no país.

Principais mudanças

Formatos de graduação

Presencial: deve ter no máximo 30% da carga horária de atividades online. Antes, o limite era 40%

Semipresencial: 30% da carga horária de atividades presenciais e 20% em atividades presenciais ou síncronas (aulas transmitidas ao vivo) mediadas.

EAD: regra exige que 10% da carga horária total seja com atividades presenciais e 10% em atividades presenciais ou síncronas mediadas.

Cursos que devem ser obrigatoriamente presenciais:

Medicina.

Direito.

Odontologia.

Psicologia.

Enfermagem.

Cursos que devem ser obrigatoriamente presenciais ou semipresenciais

Licenciaturas.

Demais cursos da área de saúde.

Como devem ser a estrutura mínima dos polos EAD

Recepção.

Sala de coordenação.

Salas ou ambientes para estudos individuais e coletivos, compatíveis com as atividades dos cursos ofertados e com o número de estudantes que deverão utilizá-las.

Laboratórios e outros espaços formativos compatíveis com as atividades dos cursos ofertados.

Equipamentos e dispositivos de acesso à internet e conexão de internet estável e de alta velocidade, compatível com o número de usuários.

O polo deverá possuir espaços e infraestrutura física e tecnológica adequados às especificidades dos cursos ofertado.

Fonte: Folha de S Paulo em 21/05/2025

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Ensino a distância no Brasil é falsa democratização, defende professor da USP


Para Daniel Cara, EaD priorizou lucro e diplomas sem garantir aprendizado; novo decreto é "primeiro passo"

A recente regulamentação do ensino à distância (EaD) no Brasil representa um avanço, apesar de ainda estar longe de garantir qualidade na formação universitária, na avaliação do professor de Educação na Universidade de São Paulo (USP) Daniel Cara, em entrevista ao programa Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. Para ele, a nova norma federal corrige parte da desordem do setor, mas mantém de pé um modelo que privilegia o lucro em detrimento da formação profissional de qualidade.

“A educação de qualidade, tanto na educação básica como na superior, é efetivamente presencial. As melhores universidades do país e do mundo trabalham nesse formato”, defende. Cara argumenta que os cursos, especialmente os de medicina, enfermagem, odontologia e licenciaturas, não podem ser realizados à distância, pois exigem interação profunda e contínua entre estudantes, professores e o conteúdo prático.

A nova legislação limita o ensino remoto em cursos da área de saúde, psicologia e direito, e exige que ao menos 20% das aulas sejam presenciais ou síncronas, passo visto pelo professor como um avanço modesto diante do cenário anterior, onde a maioria das formações não exigia sequer aulas ao vivo. “Por incrível que pareça, isso é um avanço. Um avanço vergonhoso, mas é um avanço”, afirma o educador.

Democratização sem qualidade

Apesar de reconhecer que o ensino remoto ampliou o acesso ao ensino superior, Daniel Cara faz um alerta: a expansão aconteceu às custas da qualidade. “É uma falsa democratização. Tem que ser uma democratização da qualidade, não da vaga”, pontua. Ele lembra que muitos estudantes buscaram esse caminho por necessidade, e não por escolha, pois muitos vêm de contextos de vulnerabilidade, onde o diploma pode significar uma chance de inserção no mercado de trabalho.

“O brasileiro luta para conquistar o diploma. Mas esse diploma, que deveria ser uma porta de entrada, se torna o começo de um trauma, porque depois a pessoa não consegue se manter no mercado, vive em desalento”, lamenta.

Segundo o educador, há casos pontuais de “pessoas brilhantes” que conseguiram se formar em cursos EaD com pouco apoio, mas essas são exceções. Na maior parte dos casos, o modelo entrega muito pouco. “A sociedade brasileira valoriza mais o certificado do que o aprendizado”, critica.

Lucro acima do ensino

O professor destaca ainda o papel das instituições privadas na precarização do ensino superior, “responsáveis por bilhões de reais negociados nas bolsas de valores tanto do Brasil, como fora do país”. De acordo com ele, o setor cresceu de forma desordenada, com foco no lucro e pouco compromisso com a formação. “A larga maioria dos estabelecimentos privados não tem nenhum tipo de compromisso com a educação, nem com o país. Estou sendo absolutamente franco”, declara.

Para Cara, a nova regulamentação do governo federal foi uma conquista por estabelecer pela primeira vez critérios mínimos para o funcionamento dos cursos à distância. O texto também obriga as instituições a oferecerem estruturas físicas, como polos presenciais com professores e atendimento.

Outra novidade é a definição de uma nova categoria: o curso semipresencial, que deve ter ao menos 70% da carga horária presencial. Para o educador, essa mudança deve impactar diretamente as margens de lucro das instituições. “Esse decreto cria algo novo. Na prática, é um recado do governo: se é para expandir em grande quantidade, que seja o semipresencial, e não o EAD puro.”

Ele defende que o setor privado do ensino superior precisa ser regulado de forma mais rígida e aponta que o atual decreto deve ser apenas o primeiro passo. “A educação superior está diretamente relacionada ao desenvolvimento do país. E o Brasil está muito atrasado nesse sentido”, afirma. “Espero que os cursos ofertem a educação que o povo brasileiro merece”, finaliza.

Fonte: ICL Notícias e Brasil de Fato em 25/05/2025.


quinta-feira, 29 de maio de 2025

A pedagogia da culpa: quando o sistema acusa seus professores. Por Valter Mattos da Costa*


Atribuir aos docentes a responsabilidade pelas falhas educacionais é estratégia que desvia o foco das verdadeiras causas

“A cultura é algo anterior ao conhecimento, uma propensão do espírito, uma sensibilidade e um cultivo da forma que dá sentido e orientação aos conhecimentos.”

Mario Vargas Llosa

Quando a cultura é reduzida a números e metas, esvazia-se sua função de orientar e dar sentido à experiência do conhecimento. A sensibilidade pedagógica cede espaço à lógica fria do desempenho, e o espírito formativo da escola se perde no labirinto da cobrança e da punição. Atribuir ao professor a responsabilidade pelos fracassos do sistema é negar justamente essa dimensão cultural profunda que, como disse Vargas Llosa, antecede e sustenta o próprio saber.

As salas de aula tornaram-se arenas onde se travam batalhas silenciosas. Não são apenas os desafios pedagógicos que pesam sobre os ombros dos professores, mas também a crescente responsabilização por resultados que escapam ao seu controle.

O discurso dominante, muitas das vezes, atribui ao professor a responsabilidade central pelas falhas educacionais, ignorando variáveis estruturais amplamente documentadas. Os pesquisadores Cláudio Cavalcanti, Matheus Nascimento e Fernanda Ostermann demonstram que o desempenho dos alunos está fortemente condicionado por fatores sociais e institucionais, e não exclusivamente pela atuação docente (“A falácia da culpabilização do professor pelo fracasso escolar”, Revista Thema, 2018).

Como se não bastasse, a responsabilização recorrente recai também sobre os índices de aprovação. Muitos professores, acusados de não tornarem suas aulas suficientemente “atraentes”, são pressionados a promover seus alunos em massa, mesmo diante de evidentes déficits de aprendizagem.

Essa prática, longe de representar um avanço educacional, atende sobretudo à necessidade de gerar estatísticas artificiais que sirvam aos interesses das gestões públicas, ocultando o fracasso estrutural do sistema sob uma aparência de eficiência.

Ao focar exclusivamente no desempenho dos professores, desconsidera-se o impacto de fatores como infraestrutura inadequada, falta de recursos e políticas educacionais inconsistentes. Esses elementos, muitas vezes negligenciados, desempenham papel crucial na qualidade do ensino.

A pressão por resultados imediatos leva à adoção de métricas que não refletem a realidade das escolas públicas. Avaliações padronizadas, descontextualizadas das especificidades locais, tornam-se instrumentos de julgamento, não de melhoria.

Essa abordagem punitiva contribui para o desgaste emocional e profissional dos docentes. Sentem-se desvalorizados, desmotivados e, em muitos casos, culpabilizados por problemas que transcendem sua atuação individual.

Além da responsabilização moral, impõe-se ao professor uma precarização material profunda: os salários indignos pagos no Brasil refletem não apenas descaso orçamentário, mas uma tentativa sistemática de deslegitimar sua autoridade e autonomia pedagógica.

O sistema educacional brasileiro, em vez de construir uma rede de apoio e valorização aos seus profissionais, opera, frequentemente, por meio de mecanismos que isolam os docentes e deslocam a responsabilidade para a base da pirâmide. Professores acabam sendo tratados como principais responsáveis pelos resultados escolares, mesmo quando, reiterando, atuam em condições de extrema precariedade, marcadas por sobrecarga, escassez de recursos e ausência de suporte pedagógico contínuo.

Essa inversão de responsabilidades tem sido denunciada por Nigel Brooke, pesquisador britânico em políticas educacionais, que analisa os efeitos da responsabilização docente no Brasil. Em artigo na Cadernos de Pesquisa, ele mostra como essas práticas, importadas de modelos estrangeiros, atribuem aos professores e gestores o ônus pelos maus resultados dos alunos, ignorando desigualdades sociais e limitações estruturais das redes públicas (“O futuro das políticas de responsabilização educacional no Brasil”, Cadernos

de Pesquisa, 2022).

A solução para os desafios da educação pública não reside na culpabilização dos professores, mas na construção de políticas que reconheçam e enfrentem as desigualdades estruturais. É necessário um compromisso coletivo com a valorização do magistério e a equidade educacional (um princípio que corrige as desigualdades no ensino).

Somente ao reconhecer a complexidade do cenário educacional e ao promover ações integradas será possível avançar rumo a uma educação pública de qualidade para todos.

 *Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, doutor em História Econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora.

Fonte: ICL Notícias em 06/05/2025

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Menos de 1% dos cursos a distância atingem nota máxima em avaliação do MEC


Quase todos os cursos de graduação analisados possuem modalidade EaD, exceto engenharia florestal, medicina e odontologia.

Apenas seis dos mais de 690 cursos na modalidade de educação à distância obtiveram nota máxima no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, o Enade, de 2023 – o número equivale a 0,9% do total dos cursos EaD. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Educação.

A maioria (512) ficou na categoria insatisfatórios, que abrange as notas/conceitos 2 e 3. Foram 56 cursos que se enquadraram na faixa “satisfatória”. Cerca de 46 receberam a nota 1 e ficaram enquadrados na categoria “pior”.

A pontuação máxima foi atingida por 492 formações presenciais. A análise considera satisfatórios os cursos que conseguem notas 4 e 5. Ao todo, 3.888 cursos atingiram a meta, mas apenas 100 deles eram cursos à distância.

Considerando também os cursos com nota 4, as formações presenciais consideradas satisfatórias somam 3.788. Ou seja, 41,5% de cursos presenciais avaliados pelo Enade 2023 conseguiram um desempenho satisfatório.

Já quando se leva em conta a categoria administrativa dos cursos com um bom desempenho, mais de 54% dos presenciais com nota máxima são oferecidos em instituições públicas, de âmbitos estadual ou federal. Por outro lado, todas as formações EaD que conseguiram a nota 5 são ofertados por instituições privadas com ou sem fins lucrativos.

O Enade 2023 avaliou 9.812 cursos. A avaliação é obrigatória aos alunos do último ano de cursos de graduação e mede os aspectos da formação geral e específica dos estudantes.

Quase todos os cursos de graduação analisados possuem modalidade EaD, exceto engenharia florestal, medicina e odontologia.

Fonte: Carta Capital Educação em 11/04/2025.

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Enfrentar violência nas escolas não pode ser responsabilidade só de professores


Miriam Abramovay defende políticas públicas abrangentes e alerta para o impacto da internet na vida de adolescentes.

O aumento expressivo da violência nas escolas brasileiras, que triplicou nos últimos 10 anos, não surpreende quem acompanha de perto a realidade da educação. Para a especialista no tema, Miriam Abramovay, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), o alerta já vinha sendo dado há muito tempo, mas só ganhou mais atenção após os atentados que chocaram o país nos últimos anos.

“A agressão física é cotidiana nas escolas. Muitas vezes, ela é vista como linguagem para resolver conflitos”, explica Abramovay, em entrevista ao Conexão BdF, do Brasil de Fato. Segundo ela, o ambiente escolar deixou de ser um espaço respeitado para se tornar palco frequente de brigas, agressões verbais e físicas, violência institucional, sexual e até a entrada de armas.

A pesquisadora destaca ainda que enfrentar essa crise não pode ser responsabilidade apenas dos professores. “Precisamos de uma política pública ampla. A escola deveria ser um lugar de proteção, e não mais um espaço de risco; ela também tem que ser protegida”, defende. Ela destaca a urgência de valorizar o magistério com melhores salários, mas também com formação continuada, que prepare os profissionais para lidar com a juventude e com temas como a violência escolar.

“Não podemos esquecer que 97% das crianças estão nas escolas. Mesmo que adolescentes e jovens evadam mais, a escola continua sendo a principal instituição social que eles frequentam”, completa. Segundo ela, é essencial criar ambientes com gestão democrática, escuta ativa e participação de toda a comunidade escolar. “Os professores não são culpados pelos dados. Eles também sofrem violências, inclusive institucionais. Precisam ser protegidos e admirados”, acrescenta.

A pesquisadora chama atenção também para os limites do conceito de bullying. “Hoje tudo é chamado de bullying, mas é importante diferenciar. Automutilação, suicídio, agressões físicas são fenômenos de violência em si”, afirma. Ela aponta ainda o papel das redes sociais na visibilidade desses episódios, especialmente entre os chamados “jovens de quarto”, que se isolam e buscam uma forma de pertencimento nesses espaços online, muitas vezes tomados por grupos neonazistas, os quais a especialista acompanha com preocupação.

“Ninguém sabe muito bem o que os jovens estão fazendo na internet. Temos muitas redes sociais voltadas para o crime hoje, que estão instigando esses jovens a se automutilarem e até mesmo chegarem ao suicídio. O problema tem a ver com as redes”, alerta.

Fonte: ICL Notícias em 18/04/2025.

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Alysson Mascaro e Brasil 247 dobram a aposta em te enganar**


“O maior processo de perseguição do século 21". Foi assim que o jurista e professor afastado da USP Alysson Mascaro se referiu às nossas reportagens que revelaram as dezenas de acusações de estupro e assédio sexual que recaem contra ele.

Em uma longa entrevista ao dono do Brasil 247, Leonardo Attuch, Mascaro se comparou a Jesus Cristo, rompeu o silêncio de meses em que estava desde a publicação e fez com que alguns leitores e apoiadores do Intercept nos escrevessem pedindo um posicionamento.

A entrevista, assim como o posicionamento do Brasil 247, que detalharemos mais para frente, são repletos de mentiras, teorias conspiratórias e ataques que são passíveis de ação legal. Mas, por respeito a vocês, nossos leitores, consideramos importante deixar alguns pontos muito claros.

Antes de a gente começar, queria compartilhar novamente o texto em que explicamos como foi o processo de apuração da reportagem. A incansável repórter Laís Martins, acompanhada pelo editor Leandro Becker, entrevistou mais de uma dezena de pessoas – por vídeo e pessoalmente – apenas para a primeira matéria.  

Os fatos narrados foram corroborados por outras evidências, como e-mails, prints e testemunhas. Ou seja, não se trata de ‘relatos anônimos’, como irresponsavelmente afirmam.

Além disso, é importante deixar claro que relatos de assédio circulavam há muito tempo, desde muito antes da nossa publicação – basta ler as centenas de comentários nos posts das reportagens nas redes sociais. Portanto, também não é verdade que nós começamos um processo de "cancelamento".

Mascaro tenta sugerir que todas as acusações foram um tipo de complô, a obra de uma única pessoa que, por motivos políticos e ideológicos, planejou sua destruição.

Na verdade, nossas investigações descobriram que dezenas de pessoas, espalhadas por vários estados, que compartilham e admiram profundamente as convicções políticas de Mascaro, relatam um padrão consistente de abuso. Muitas delas não sabiam dos outros casos, não tinham nenhum tipo de contato anterior entre si e foram contatadas por nós de forma independente.

O que o Intercept fez foi investigar. Como deveria fazer qualquer outro veículo que esteja verdadeiramente preocupado com direitos humanos, ou com “quem apanha”, como o próprio Mascaro diz. E fizemos isso seguindo os princípios mais rigorosos de jornalismo.

Nós entendemos a gravidade das denúncias e foi por isso que essa série passou por uma equipe de editores e checagem externa, ou seja, conferência minuciosa de cada linha do texto e das provas, em um processo extremamente cuidadoso.

Ainda com a consistência dos relatos, tomar a decisão de publicar uma investigação como essa não é fácil. Sabíamos que os ataques viriam – embora eu confesse que muitos de nós ficamos surpresos com a ferocidade e o baixo nível das calúnias, especialmente do 247.

Essa foi uma das principais razões pelas quais nenhuma das pessoas é identificada na reportagem. Todo detalhe, aliás, que pudesse facilitar a identificação delas foi removido – porque temiam represálias.

Todos sabíamos que viria uma onda de tentativas desesperadas de desqualificação, tanto do Intercept quanto das vítimas. Mas a apuração estava tão consistente que, após a primeira reportagem, mais de 40 outras pessoas surgiram com relatos semelhantes.

Então, nós publicamos outra reportagem, seguindo os mesmos cuidados e divulgando áudios, com outros nove homens que têm relatos semelhantes, corroborados por evidências, de que foram assediados por Mascaro.

Alysson Mascaro foi contatado antes da publicação das duas reportagens – diferente do que ele e sua assessoria de comunicação, papel desempenhado pelo Brasil 247, têm dito. Mandamos e-mails muito detalhados pedindo contraponto em todas as histórias que narramos. Ele se limitou a dizer que estava sendo vítima de uma campanha orquestrada, resposta que foi incluída no texto.

E é essa mesma narrativa que segue publicamente em sua campanha para construir uma contranarrativa que tenta desviar a atenção do conteúdo das acusações e descaracterizar a situação.

Na entrevista ao 247, Mascaro diz que nós fazemos o “pior tipo de jornalismo já produzido na história da humanidade” e cometemos “o caso Escola Base do século 21”, se referindo ao caso de 1994 que virou um marco sobre irresponsabilidade jornalística no Brasil ao acusar donos de escola injustamente de abuso sexual.  

Leonardo Attuch, do 247, foi igualmente desequilibrado: declarou em uma live que nossos jornalistas são “bandidos” e que o nosso jornalismo é criminoso. Não vou comentar o teor ofensivo dos ataques porque estamos estudando as medidas judiciais contra eles – só vou lembrar que difamação é crime, jornalismo não.

Por meio do Brasil 247, Mascaro também tenta desvirtuar o foco ao dizer que o Intercept o “atacou” porque é um veículo estadunidense que estaria a serviço do neoliberalismo, na sua visão. "O imperialismo me atacou porque quer destruir a intelectualidade crítica no Brasil", declarou Mascaro. Attuch também compartilhou essa ideia em vários momentos desde dezembro.

Essa posição conspiracionista não tem respaldo nenhum na realidade. Primeiro, porque é factualmente errada: nós somos completamente independentes do Intercept dos EUA desde 2022.

Segundo: qualquer um que nos leia sabe que é risível sugerir que o Intercept Brasil – o site que nasceu dos vazamentos de Snowden, a maior denúncia já feita sobre a vigilância em massa dos EUA; que, na Vaza Jato, ganhou o prêmio Vladimir Herzog por revelar detalhes da relação secreta entre a Lava Jato e o governo dos EUA; e que publica regularmente reportagens expondo as guerras imperialistas dos EUA e seu papel no genocídio em Gaza – é, na verdade, parte daquilo que mais denuncia.

Nosso trabalho fala mais alto do que suas calúnias vazias.

E terceiro, porque os fatos foram revelados pelo Intercept, sim. Mas também já foram investigados e corroborados por muitas outras instituições de forma totalmente independente.

A USP abriu um procedimento preliminar de investigação imediatamente após a publicação a pedido de grupos que representam as estudantes da faculdade. A investigação avançou – e apontou que há “fortes indícios de materialidade” nas denúncias. Alysson Mascaro foi afastado. Outros veículos também fizeram reportagens ouvindo outras pessoas com relatos semelhantes sobre o professor – como Folha, G1 e Record.

A investigação segue na USP. E Mascaro, ainda afastado, precisa apelar para tentar se defender. É uma tentativa desesperada, mas inteligente, de mobilizar a opinião de quem se sensibiliza com suas palavras e sua história. Só que é mentirosa.

Em todas as instâncias em que os fatos foram analisados até agora, os indícios têm sido ruins para a narrativa de Mascaro. É por isso que ele, auxiliado pelo 247, tem dedicado tanta energia para nos atacar, a fim de destruir nossa reputação e se proteger quando surgirem más notícias no futuro.

É a mesma estratégia usada por Bolsonaro e Trump em seus constantes ataques à imprensa. Mas não vai conseguir nos intimidar.

Seguimos firmes no mesmo propósito de investigar injustiças independentemente de onde elas estejam. Nós entendemos que, ao investigar alguém identificado à esquerda, corremos o risco de decepcionar muitos aliados. Mas a nossa missão é revelar abusos cometidos pelos poderosos. Nosso objetivo é defender a sociedade, e as vítimas, não nossos amiguinhos — o que significa que temos que seguir os fatos. Sempre.

Não é “processo de perseguição” – muito menos o maior do século 21. É investigação jornalística, o que fazemos de melhor. Agora, continuamos esperando que os fatos sejam devidamente apurados nas esferas corretas.

E seguimos com nossa equipe incansável investigando fatos muitas vezes incômodos – mas que precisam vir à tona.

Infelizmente, uma meia dúzia dos nossos apoiadores questionou se deveria continuar a nos apoiar depois das calúnias do 247. O número foi baixo, mas ainda assim lamentamos porque cada apoiador importa.

O mais importante é que qualquer pressão jamais nos levará a abrir mão das nossas responsabilidades éticas. Em situações como essas, esperamos que, para cada apoiador que sai, dois se juntem a nós.

Fonte: Intercept Brasil em 03/05/2025.

** Articulando esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do coletivo de educadores.


quinta-feira, 1 de maio de 2025

Tem muita gente ganhando dinheiro com a Educação, mas não é o professor. Por Valter Mattos da Costa*


Organizações privadas e fundações empresariais influenciam políticas públicas de educação sem ouvir quem está em sala

É exatamente isso: o setor da Educação movimenta bilhões de reais por ano. E não se trata apenas do setor privado tradicional, como as grandes redes de ensino privado, cujo lucro é expressivo e amplamente conhecido. Também no campo das políticas públicas educacionais, há quem lucre — e muito — sem jamais ter pisado numa sala de aula.

Um caso esclarecedor ocorrido em 2023 expõe bem essa lógica. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, intitulada “Lula abre espaço para grupo de Lemann influenciar decisões de R$ 6,6 bilhões na educação”, assinada por Julia Affonso e Vinícius Valfré, Jorge Paulo Lemann — presidente da fundação que leva seu nome e empresário apontado como um dos responsáveis pelo colapso das Lojas

Americanas — passou a influenciar a gestão de bilhões do Ministério da Educação destinados a escolas públicas.

A MegaEdu, ONG financiada por Lemann e criada em 2022, firmou acordo com o MEC para atuar na área de conectividade escolar. Sua CEO, Cristieni de Castilhos — ex-funcionária da Fundação Lemann — foi nomeada para o conselho gestor do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que administra R$ 2,74 bilhões para projetos de internet em escolas. Esses movimentos ilustram o avanço de instituições privadas sobre decisões estratégicas da educação pública.

O foco, então, recai sobre as organizações da sociedade civil que atuam especificamente na Educação Básica brasileira. Essas fundações, ONGs e institutos empresariais, apesar de privadas, influenciam diretamente as políticas públicas educacionais, decidindo os rumos do ensino básico no país.

Essas entidades privadas, que Gramsci chama de “aparelhos privados de hegemonia”, agem como mediadoras e disseminadoras da ideologia dominante. Sua função, disfarçada sob a aparência de “boas intenções”, é consolidar a hegemonia cultural do capital e de sua classe, mantendo intactas as estruturas sociais que lhes asseguram o poder.

O problema central também reside em suas lideranças. Os dirigentes dessas organizações — frequentemente agraciados com generosas remunerações — jamais estiveram em uma sala de aula do ensino básico. A realidade dura do chão da escola lhes é completamente desconhecida, e suas decisões frequentemente ignoram as demandas reais dos professores.

Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG Todos Pela Educação, por exemplo, é formada em Administração Pública pela Harvard Kennedy School. Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann, é advogado formado pela USP. Ou seja, nenhum deles possui qualquer experiência docente no ensino fundamental ou médio.

Claudia Costin, fundadora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE), é outro exemplo. Já foi diretora global de Educação do Banco Mundial e secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro. Apesar de sua trajetória na gestão educacional, também nunca exerceu a docência no ensino básico. Ainda assim, com frequência, é convocada por emissoras de televisão para comentar assuntos ligados à Educação, oferecendo sugestões óbvias, genéricas e previsíveis sobre a qualidade das aulas, como se falasse com propriedade de quem vive o cotidiano escolar.

A Fundação Santillana, ligada ao poderoso grupo editorial espanhol Santillana, igualmente é gerida por executivos do setor empresarial e editorial.

Na visão de um educador, é grave que organizações sem experiência direta na sala de aula ditem os rumos para a educação nacional. A voz do professor, quem realmente conhece as necessidades da educação básica, raramente é considerada nessas decisões, apesar de ser o profissional diretamente afetado por essas políticas.

Quando a educação básica passa a ser pensada não por professores, mas por atores associados ao capital, há uma evidente distorção de identidade. Diante disso, fica a pergunta inquietante: estaríamos vivendo aquilo que Lyotard chamou, com estranhamento, de “A condição pós-Moderna”?

Essas entidades movimentam recursos expressivos oriundos do capital financeiro nacional, representado por bancos e grandes corporações. Itaú Social, Fundação Bradesco e Instituto Unibanco são exemplos claros dessa influência direta e pesada do grande capital nas políticas educacionais brasileiras. Dados disponíveis no Banco Central, na Receita Federal e no Portal da Transparência indicam que volumes monetários significativos fluem dessas instituições financeiras para o chamado terceiro setor, confirmando como o capital utiliza mecanismos legais para financiar aparelhos privados de hegemonia que operam na educação básica.

A origem dos recursos dessas organizações privadas, portanto, ilustra como o capital rentista estende seu domínio, e tentáculos, por meio do financiamento estratégico de setores-chave, como a educação, visando formar indivíduos acríticos, adaptados à reprodução das relações capitalistas de produção. O linguista e filósofo Noam Chomsky, crítico feroz da manipulação ideológica promovida pela educação, afirma claramente que “elites” econômicas frequentemente moldam sistemas educacionais com o objetivo de reproduzir mão de obra conformista, não cidadãos críticos ou capazes de questionar as injustiças sociais.

Slavoj Žižek, filósofo esloveno conhecido por sua crítica aguda à ideologia contemporânea (influenciado por teorias marxistas e psicanalíticas), também denuncia como a ideologia dominante mascara interesses econômicos e políticos sob aparências neutras e benevolentes. O discurso dessas fundações e ONGs encaixa-se perfeitamente nessa análise crítica.

Tão criticada pelo professorado do ensino básico, a reforma do Novo Ensino Médio, fortemente sugestionada por essas entidades, exemplifica claramente essa estratégia. Sob promessa de inovação e modernização, é apresentada como um “elixir” contra a evasão, reduz disciplinas críticas e amplia conteúdos técnicos superficiais (variadas eletivas e projetos de vida retirando tempos de aula de matérias cobradas no ENEM), limitando drasticamente o papel transformador e crítico da escola pública.

Não se trata de rejeitar o diálogo com a sociedade civil, mas de denunciar uma situação preocupante: organizações burocráticas e distantes da prática escolar real decidem sobre educação, enquanto professores permanecem marginalizados, sem voz ativa nas decisões fundamentais que afetam diretamente seu trabalho.

Educação de qualidade, transformadora e socialmente justa exige protagonismo, reconhecimento e valorização daqueles que realmente educam, e não daqueles que financiam ou administram de longe. Caso contrário, a escola brasileira seguirá gerando apenas mão de obra adequada aos interesses dominantes, reproduzindo desigualdades e injustiças sociais.

Errata: A menção à Campanha Nacional pelo Direito à Educação foi retirada deste artigo pois não corresponde ao perfil criticado, tendo atuação progressista e presença de professores da educação básica e independência em relação ao capital financeiro.

* Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, doutor em História Econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora.

** Articulando esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do coletivo de educadores.

Fonte: ICL Notícias em 14/04/2025.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Cursos de medicina se tornaram um negócio no Brasil


Faculdades de medicina se multiplicaram pelo país nos últimos anos. Grande parte dos cursos foi criada em instituições particulares com mensalidades elevadas.

A crítica de que a medicina se tornou um "negócio" é antiga, mas a grande expansão de cursos da área no Brasil nos últimos anos tem gerado preocupação entre especialistas e reguladores, que temem que a qualidade do ensino possa ser comprometida.

Desde 1990, a quantidade de faculdades de medicina no país quintuplicou, grande parte dessa ampliação ocorre no setor privado. Atualmente, há 390 faculdades de medicina no Brasil. Hoje, mais de 80% do ensino na área é privado, com vagas nos cursos avaliadas em milhões diante das altas mensalidades.

Em 2013, buscando ampliar a proporção de profissionais de saúde na população, o governo federal lançou o Mais Médicos, que tinha como um dos componentes incentivos para a abertura de vagas em instituições de ensino de medicina. O programa estimulou ainda mais o setor.

A forte concorrência para o ingresso nas faculdades públicas fez com que a demanda por vagas nas faculdades privadas fosse significativa. Atualmente, 175 mil estudantes estão matriculados em cursos particulares, que movimentam cerca de R$ 26,4 bilhões por ano, o equivalente a 40% do mercado de ensino superior.

Em relatório a clientes, os analistas do BTG Pactual Samuel Alves, Yan Cesquim e Marcel Zambello apontam que, historicamente, cada vaga aberta nestes cursos esteve avaliada entre R$ 2 e 3 milhões para o mercado, com a média das mensalidades cobradas dos alunos em R$ 10 mil.

Gigantes do setor

As somas abriram espaço para o surgimento e a expansão de gigantes do setor como Ânima, YDUQS e Afya. A última, criada no Tocantins em 1997, abriu capital na bolsa nova-iorquina Nasdaq em 2019, e, desde então, fez aportes bilionários. Nos três anos seguintes, a companhia, hoje controlada pelo grupo alemão Bertelsmann, investiu R$ 3,2 bilhões na compra de dez faculdades de medicina, se consolidando como a maior do Brasil no ramo.

Enquanto outras áreas sofreram nos últimos anos com uma queda na demanda por cursos superiores, a medicina se manteve com forte procura. Na visão de Bruno Luciano de Oliveira, pesquisador da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e autor de uma série de estudos no tema, o status conferido pelo curso, um mercado de trabalho menos competitivo e a maior possibilidade de escolher seus rendimentos após a formação, ajudam a explicar o apelo.

Restrição e judicialização do ensino

Em 2018, o Ministério da Educação (MEC) suspendeu a publicação de novos editais para criação de cursos de medicina durante cinco anos e o pedido de aumento de vagas em cursos já existentes, argumentando que as metas para expansão já haviam sido atingidas. Além disso, o governo afirmou que a iniciativa visava garantir a qualidade do ensino.

Desde então, parte importante das decisões sobre a operação das faculdades passou ao âmbito judicial. Sem a autorização do Ministério, muitas instituições recorreram a tribunais para oferecer seus cursos, com liminares permitindo a atuação em uma série de casos.

Em 2024, o MEC chegou a notificar seis universidades pela oferta de cursos sem autorização, com as faculdades realizando vestibulares com base em decisões judiciais provisórias. No ano passado, 6,3 mil vagas foram criadas no país, sendo 3,5 mil por meio de liminares.

Mario Roberto Dal Poz, professor no Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), crítica a instância judicial como forma de determinar quais instituições podem operar. "Quando o tema chega à justiça, muitas vezes se acaba permitindo a abertura", aponta, sem que necessariamente os melhores critérios para a qualidade do ensino sejam observados.

Procurado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) não se manifestou sobre o tema. Já a Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) preferiu não se pronunciar devido ao fato de o julgamento da questão ainda estar em aberto.

Busca por melhores critérios

A expansão na rede privada no setor foi uma realidade nos últimos anos ao redor do mundo, ainda que em ritmo reduzido, apontam especialistas. A cobrança no caso brasileiro é por maior verificação na qualidade, afirma Oliveira. "Não é uma política contra o mercado, e sim por uma boa definição de critérios. Inclusive, há boas experiências na iniciativa privada no país", pontua.

A forma pela qual a operação nas faculdades é aprovada no país é fonte de grandes críticas no setor. "Falta transparência no caso do Brasil. Muitas vezes nos processos não se sabe muito sobre as tomadas de decisões", afirma Dal Poz.

Na última semana, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) informou que pretende mudar a forma como os cursos da área da saúde serão avaliados in loco. As primeiras propostas já foram finalizadas e incluem visitação de universidades por avaliadores para analisar as práticas de formação dos estudantes.

Atualmente, parte relevante da avaliação nos cursos é baseada no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), feito após o final da graduação. Especialistas avaliam que o ideal seria um acompanhamento por etapas, o que facilitaria eventuais correções durante o ensino.

Uma proposta frequente é a de que os formados no curso tenham que prestar uma espécie de exame de ordem para exercer a profissão, assim como ocorre no caso do direito com a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Por sua vez, Dal Poz vê a possibilidade como "muito limitante" para os que não conseguirem a aprovação.

Excesso de oferta?

O suposto excesso de oferta é uma questão que tem causado preocupação entre potenciais alunos e investidores do setor nos últimos anos.

Entre os futuros estudantes, a possibilidade de fazer um alto investimento, que com frequência ultrapassa os R$ 500 mil, e ter dificuldades de conseguir uma remuneração compatível vem fazendo muitos ponderarem. Em sites sobre o tema e no Youtube, há uma série de conteúdos respondendo se "ainda vale a pena fazer medicina".

Oliveira lembra que, muitas das vezes, os estudantes terminam o curso com dívidas consideráveis, algo que levanta ainda mais preocupação em um cenário de altas taxas de juros. Ele lembra que é possível que a "grande expansão na mão de obra interfira nas remunerações", algo que aconteceu em outros cursos superiores nos últimos anos.

No relatório do BTG Pactual, produzido no final de 2024, o tema já aparecia como uma potencial razão para investidores não se sentirem otimistas com o setor. Segundo a publicação, as vagas poderiam cair a uma valorização entre R$ 1 e 2 milhões, justamente com um possível aumento da oferta. No conteúdo, os autores citam as faculdades que estavam cobrando mensalidades de R$ 7 mil, uma queda em relação aos períodos anteriores, o que acende o alerta para a continuidade da expansão do negócio.

Fonte: DW Brasil em 04/04/2025.