É... com excessão do jardim de infância e do hoje chamado 2o grau, eu sempre estudei em escola pública no Rio, do primário ao mestrado. E pela descrição das exigências de usos e costumes, provavelmente no tempo em que esse professor estudou em SP.
Especialmente o então "ginásio" (mais ou menos o 2o segmento do ensino fundamental de hoje) foi numa escola padrão e na época referência de qualidade de ensino, o C.E. Prefeito Mendes de Moraes. Era dureza, especialmente a questão da disciplina que admito não ser o meu 'forte'. Mas tinha teatro, banda de música, canto orfeônico e muito esporte.
Só tenho a agradecer!
Agora, faltou enfatizar, que o desmanche da educação não se deu 'por acaso'.
A governos ilegitimos ou corruptos, só a ignorância e alienação do povo interessa.
A massa crítica incomoda e, se não inviabiliza, dificulta roubalheiras, injustiças, desmandos...
Lucia Duarte, professora de Relações Públicas.
Tornamo-nos o lixo do mundo
Quando eram sete horas e dez minutos os portões da escola pública que
eu frequentava, no interior do Estado de São Paulo dos anos sessenta,
eram fechados. O limite de atraso era de dez minutos. Os portões se
abriam novamente e, então, os retardatários entravam. E de modo bem
rápido. Caso não entrassem, perdiam todas as outras aulas.
No Rio de Janeiro, hoje, em boa parte das escolas públicas, os portões
ficam abertos e os alunos vão chegando, chegando, chegando – não há
horário de entrada! Alguns entram na aula, outros não. A ideia básica
é mais ou menos esta: se os portões se fecham, eles vão ficar de fora.
Ficando de fora, a rua os ganhará e isso é que não pode acontecer.
No meu tempo de escola, no Estado de São Paulo, a ideia era outra: não há
de se incentivar o cultivo da preguiça e da falta de horário. Quem não
consegue se disciplinar para acordar cedo deve perceber que irá não
simplesmente cair para a rua, mas terá uma sanção social a pagar. Será
rapidamente identificado como preguiçoso. A cidade saberá disso ao não
lhe dar emprego mais tarde.
de se incentivar o cultivo da preguiça e da falta de horário. Quem não
consegue se disciplinar para acordar cedo deve perceber que irá não
simplesmente cair para a rua, mas terá uma sanção social a pagar. Será
rapidamente identificado como preguiçoso. A cidade saberá disso ao não
lhe dar emprego mais tarde.
Uma vez na aula, na minha escola pública, tínhamos de sentar e prestar
bem atenção no professor. A aula era expositiva. O professor Oswaldo
Pagni Gelli, de jaleco branco longo, fazia uma detalhada exposição de
história do Brasil, com uma sofisticação que hoje nem em uma boa
universidade pública é possível ver. Caso ele não estivesse expondo a
matéria, então estaríamos na chamada oral. Meninos contra meninas. Ele
chamava dois representantes, escolhidos no sorteio, para uma bateria
de 3 perguntas cada um, podendo um responder a que o outro não sabia,
marcando os pontos que, ao final do curso, eram somados coletivamente
para a equipe vencedora. Era uma chamada oral duríssima, pois não era
permitida uma grande liberdade na explanação.
No Rio de Janeiro, hoje, o aluno chega para a professora e diz que não
sabe se fez ou não a prova. Ela consulta um caderno e diz que ele não
fez prova de duas matérias. Ele se espanta: como “duas”?
Ele diz então: “mas a senhora dá duas matérias? Ah, eu não sabia”.
Sim! O aluno não só não fez a prova como também diz, na cara dura, que
não sabe se fez e muito menos sabe, após um semestre, que o professor
ministra duas disciplinas, e não uma. Esse aluno parece não estar em
uma escola pública, e sim numa espécie de supletivo mal arrumado, onde
ele faz provas sem estudar e arranca uns pontos para que o professor
possa considerar algo e, então, empurrá-lo para o ano seguinte.
Na escola pública do interior do Estado de São Paulo, no meu tempo de
estudante, o uniforme era fundamental. Tínhamos de vir limpos, com a
roupa passada, impecáveis. E que não faltasse uma peça! Era assim que
tínhamos de estar na escola: de prontidão e iguais. O uniforme não
uniformizava nossas diferenças. Ao contrário, ele nos qualificava como
estudantes. Era um orgulho colocar a camisa branca e vê-la aumentar as
estrelas no ombro, indicando os graus, os anos a mais.
estudantes. Era um orgulho colocar a camisa branca e vê-la aumentar as
estrelas no ombro, indicando os graus, os anos a mais.
No Rio de Janeiro, hoje, o uniforme é adendo. Cada um vem para a aula
do modo que quer. Uma camisa aqui e ali do uniforme se confunde com
outras roupas. Aliás, camisa branca, nem pensar, pois hoje se escolhe
a roupa que apareça menos a sujeira! E olha que hoje temos asfalto! O
shortinho curto e o chinelo de dedos é algo comum. A praia e a escola
se confundem mesmo em cidades onde não há praia. Todos arrastam o pé,
para o chinelo não escapar. Uma juventude inteira incapaz de andar de
sapatos, que anda vagarosamente. As meninas, no dia em que colocarem
um salto, cairão como pamonhas amolecidas, pensando estar numa escada
de bombeiros. Parecem mendigos, mas não são. Vários, já estão longe de
serem pobres.
Na escola pública que frequentei, os professores viviam bem, tinham
sua casa, seu carro e logo depois de alguns anos, podiam comprar um
sitiozinho. Com poucas aulas por semana, pertenciam ao grupo social do
juiz, do prefeito e do padre. Eles eram a elite intelectual da cidade.
Não estavam longe da elite política e econômica.
Caso não estivessem entre a elite econômica, eram convidados a frequentar
os mesmos lugares, pois a capacidade intelectual lhes dava o passe.
No Rio de Janeiro de hoje, o professor chega de ônibus, chacoalhando e
descabelado. Veste jeans pior que o dos alunos mais desarrumados. Não
ganha mal – chega mesmo a não ganhar nada às vezes. Come mal. Fica
atento a tudo que o cerca, com medo. Pode a qualquer momento ser
agredido por algum estudante, dentro da escola, ou então agredido pela
polícia, que quer sua cabeça por causa da notícia de greve que, enfim,
nem mesmo se concretizou.
A escola pública que eu frequentei me fez jogar basquete; pude
tornar-me campeão dos “jogos colegiais”. Foi uma escola que me fez
aprender inglês. Até francês. Era uma escola que poderia participar do
campeonato de bandas e fanfarras de São Paulo – algo famoso!
A escola pública do Rio de Janeiro atual não consegue dar os primeiros
esportes para aluno algum e, penso, talvez nem existam mais os “jogos
colegiais”. Línguas? Ah, que piada, nem o português os alunos sabem.
Bandas e fanfarras? Na escola pública?
Somos hoje um dos últimos países nos exames internacionais do tipo dos
do PISA. Estamos emburrecidos porque destruímos nossa escola pública.
Em parte com a ditadura militar e em parte com já quarenta anos de
democracia e descaso, acabamos de vez com a escola pública, em
especial com a de ensino médio. E não há nenhum movimento no horizonte
para a sua recuperação. Em alguns estados a escola pública existe
apenas como local, não mais como instituição. Em outros, nem mesmo o
prédio se mantém em pé. O reflexo disso na universidade está visível.
Vamos indo a passos rápidos para o fundo do poço. E estamos felizes.
Temos que o preço dessa felicidade, quando cobrado, possa ser alto. Já
é alto.
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