Tornar a educação básica uma responsabilidade do governo federal.
Esta é a proposta do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) que apresentou
um projeto de decreto legislativo para convocar plebiscito a respeito da
federalização da educação básica. As opiniões estão divididas entre os
especialistas. Enquanto uns a classificam como inovadora, outros afirmam
que a intenção é boa, mas é inviável de realizar.
Para justificar o projeto, o senador Cristovam usou os resultados do
Pisa 2012 e dos rankings da consultoria britânica Times Higher
Education, que revelaram a situação precária da educação no Brasil, seja
no nível básico ou no ensino superior. Ele também apontou a falta de
recursos de estados e municípios como argumento para a federalização e
consequente melhoria na qualidade do ensino.
Para a professora Lisete Arelaro, diretora da Faculdade de Educação
da USP (FEUSP) a proposta do senador Cristovam é uma simplificação da
questão sobre a qualidade da educação. "Não há nenhuma experiência
histórica que mostre que numa república como a nossa, um país
continente, com cerca de 200 mil escolas, a federalização vai melhorar a
educação básica no País. Ao contrário, nós temos na educação básica,
diferentemente de outras políticas sociais, uma história de atuação
primeiro estadual e depois municipal, com a Constituição de 1988.
Federalizar significa nós passarmos a ter no Brasil um programa único e
há esta ilusão de que quando eu centralizo, vou garantir um padrão de
qualidade, essa relação não existe", afirma.
A diversidade do País aponta para um trabalho moldado para as
características de cada região. De acordo com a professora Lisete,
admitir a complexidade brasileira significa exatamente a possibilidade
de currículos regionais que atendam os interesses dos diferentes grupos
sociais. "O conteúdo e a forma de trabalho na região norte não tem nada a
ver com a região sudeste ou com a centro oeste. Nós temos 4 milhões de
alunos matriculados na educação básica, evidentemente que nesse País
continente seria uma maluquice imaginarmos que o governo federal poderia
arcar com essa organização", opina a diretora da FEUSP.
A professora se mostra preocupada com a possível associação do
projeto de federalização com uma melhoria salarial dos professores. "Eu
acho a proposta capciosa, porque quando você fala em federalização para
um professor que está num município pobre o que ele pensa imediatamente é
que ele poderia ganhar como ganham os professores, por exemplo, do
Distrito Federal, que é o lugar onde melhor se paga ao professor no
Brasil. É lógico, que essa é uma questão (melhoria salarial dos
professores) que todos nós queremos que aconteça, mas eu não acredito
realmente que essa seria a melhor forma", alerta Lisete Arelaro.
Já para o professor Isaac Roitman, da Universidade de Brasília (UnB), coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro da UnB ,
a proposta é inovadora e pode representar o início de uma grande
revolução na educação brasileira, principalmente pela possibilidade de
criação de uma carreira nacional de professores que seriam selecionados
pela sua formação e competência para atuarem no ensino básico. "Com
condições de trabalho adequadas, um salário digno e com o merecido
reconhecimento da sociedade, creio que poderíamos atrair os melhores
egressos do ensino médio para o Magistério. Creio que ainda possa
existir um bom senso no legislativo brasileiro para aprovar essa
proposta", aposta ele.
Melhor formação dos professores - De acordo com
Roitman, a federalização da educação básica poderia ser a resposta ao
que ele define com uma tragédia. "Nos últimos anos a escola tem se
transformado em uma fábrica de analfabetos plenos e, sobretudo em
analfabetos funcionais. O modelo vigente no Brasil onde o ensino
superior público é de responsabilidade da União, o do ensino médio de
responsabilidade do estado e o fundamental de responsabilidade do
município é um dos responsáveis por esse quadro que ameaça o futuro do
País", opina.
Para Luís Carlos Menezes, professor sênior do Instituto de Física da
Universidade de São Paulo (USP) o projeto de federalização é inviável.
"Não vejo como, por exemplo, os conselhos estaduais de educação se
articulariam, porque eles têm certa autonomia nessa decisão, por isso
acho bastante difícil. A ideia do Cristovam de criar um padrão nacional,
certamente de carreira, remuneração etc, implicaria desde cedo em um
sistema nacional de educação efetivo, que nós não temos. Então, há um
mérito na intenção, e há uma inviabilidade na realização", definiu
Menezes. Ainda de acordo com ele, "isso seria uma grande revolução, mas
não acho que se faça revolução por decreto, nem por estabelecimento de
leis".
Na análise do professor da USP, criar um padrão nacional na formação
dos professores é um mérito da proposta de federalização. "Os problemas
da educação brasileira passam sim pela formação de professores, e nesse
sentido deve haver uma articulação melhor entre educação de base e
educação superior", argumenta.
Plebiscito - O texto do parlamentar, que já foi
aprovado pela mesa diretora do Senado, propõe que nas eleições de 2014,
além de escolher os cargos do executivo e legislativo, os brasileiros
teriam que responder à seguinte pergunta: "a educação básica pública e
gratuita deve passar a ser da responsabilidade do governo federal?".
Para Isaac Roitman a ideia do plebiscito é pertinente e certamente
mostrará que esse caminho tem o apoio da grande maioria da população
brasileira. "O plebiscito seria um irmão das manifestações de rua onde o
povo poderá manifestar a sua opinião. Espero que ele ocorra. Meu voto
será sim para a proposta. O governo federal pode e deve conduzir essa
tarefa que certamente vai beneficiar as futuras gerações de
brasileiros", afirma.
A professora Lisete Arelaro não concorda com essa opção. "Acho
realmente que ela é esdrúxula, o plebiscito perguntaria o que? Ninguém
pode votar contra ou a favor se não tiver dados e condições. E nós não
temos nenhuma das condições nesse momento, porque do ponto de vista
concreto, estamos numa república, temos uma constituição que define
programas e que são devidamente discutidos", diz.
Ela aposta no atual processo de participação popular que está sendo
colocado em prática pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa, do Ministério da Educação (MEC), que oferece cursos aos
professores no Brasil inteiro com uma metodologia única. "Eu quero
defender sim um processo de descentralização, acho que diretrizes
curriculares nacionais, um plano nacional de educação (PNE) que nós não
conseguimos ter e quando temos não levamos a sério, é muito mais
importante do que esta federalização. Acho que ela é no momento inviável
e inconveniente", conclui.
De acordo com Luís Carlos Menezes, "as coisas de natureza
plebiscitária precisam ter uma nitidez de intenção, caso contrário você
sequer alcança o votante". Para o professor da USP, esse é um processo
difícil. "Educação de base é educação infantil, fundamental, ensino
médio. Isso significa mais de uma dúzia de anos de educação com muitas
pessoas contratadas, diferentes regimes. Isso é mais difícil, bem mais
difícil do que, por exemplo, mudar de presidencialismo para
parlamentarismo", analisa.
Menezes afirma que enxerga pontos positivos na proposta do senador.
"Eu compreendo a boa motivação do Cristovam, que considero um homem com
grande preocupação com a educação, mas acho que a proposta, com ou sem
plebiscito, não é viável. Eu gostaria que fosse, pois a educação de base
precisa de uma chacoalhada, mas lamentavelmente eu não acho que haja
uma realidade maior na efetivação dessa proposta", resume.
Fonte: JC e-mail 4924, de 01 de abril de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário