Mesmo tendo adotado, há 12 anos, um modelo pedagógico inovador, a Escola
Municipal Presidente Campos Salles ainda tem de lidar com episódios de
violência. Com cerca de mil alunos, o colégio fica em Heliópolis,
comunidade da zona sul de São Paulo. Em um desses incidentes, o aluno do
4º ano Felipe Rodrigues presenciou um colega cuspir em uma professora.
Como parte de sua responsabilidade, coube ao jovem, de 11 anos,
conversar com o agressor. "Olha, pede desculpa à professora. Você tinha
que pensar antes de fazer isso", contou sobre o tom usado com o
estudante indisciplinado.
Felipe faz parte da comissão mediadora
de sua sala, um grupo de 10 a 15 alunos, eleito pela própria turma para
cuidar dos problemas enfrentados ao longo do ano letivo. "Há estudantes
que têm dificuldade em matemática. Outros, na educação física. E há
estudantes que têm dificuldade nas atitudes", ressalta a coordenadora
pedagógica da escola, Amélia Arrobal Fernandez.
As comissões
fazem parte do projeto pedagógico adotado pela escola de ensino
fundamental, que tem como base a integração com a comunidade e a gestão
participativa. O modelo é inspirado na portuguesa Escola da Ponte. "Os
problemas da escola são os da comunidade. Os problemas da comunidade
também são da escola", diz Amélia. Em agosto deste ano, o projeto
pedagógico foi aprovado oficialmente pelo Conselho Municipal de Educação
de São Paulo. Com a deliberação, foi recomendada a divulgação da
proposta para outras escolas da rede de ensino da capital.
Após a
abordagem, o colega indisciplinado se sentiu mais à vontade para contar
a Felipe um pouco de seus problemas pessoais. "Ele até desabafou. Nós
conversamos e falamos que o que ele precisasse, nós ajudaríamos. O jeito
de ele se expressar é bater nas pessoas. O que ele sofre, desconta
aqui", diz em referência a outro jovem que relatou sofrer agressões do
tio alcoólatra.
Esse tipo de trabalho, que parte dos estudantes,
tende, segundo a coordenadora, a ter resultados mais efetivos do que
atitudes tomadas diretamente pelos adultos. "Por mais que professores,
família e gestores interfiram, eles falam a mesma língua. As coisas têm o
mesmo sentido e significado para eles. É diferente ouvir do próprio
segmento", acrescenta Amélia.
Sem grades, nem aulas
O projeto da Campos Salles aboliu a divisão do conteúdo por matérias e
do tempo por aulas. Os alunos de diferentes idades estudam em grandes
salões a partir de roteiros de estudos discutidos em assembleias. "Aqui é
uma escola que não tem aula. Não acreditamos em aula expositiva, onde o
professor escolhe um conteúdo e algo a explicar que não partiu
necessariamente do desejo ou da dúvida real do estudante", explica
Amélia. O aprendizado vem por meio das leituras, pesquisas e discussões
mediadas pelos professores.
A resolução de conflitos garante, de
acordo com a coordenadora, as condições para que a proposta funcione.
"Se não houver uma convivência democrática e respeitosa, não existirá
ambiente de estudo e aprendizagem. Porque a convivência é a base de
tudo".
Apesar de aumentar a responsabilidade dos jovens, que
devem tomar decisões sobre os caminhos a seguir, a proposta também
aumenta a sensação de liberdade. "Minha irmã estudava em escola
estadual. Ela me contava que lá era cheio de grades. Eu ia morrer
sufocada. Aqui não tem grades", comenta Ana Suellen Sousa da Silva, de
14 anos, que fez na escola todo o ensino fundamental.
Ao atuar
ativamente na resolução de conflitos, a professora Valéria Vieira
acredita que os alunos também começam a se preparar para os desafios da
vida adulta. "Principalmente quando ele entrar para o mercado de
trabalho, quando terá que resolver problemas, se relacionar com outras
pessoas".
Novas atitudes
As mudanças de atitude, no
entanto, já podem ser sentidas no cotidiano e nas relações pessoais dos
estudantes. "Às vezes, minha mãe chega estressada do trabalho e joga a
culpa toda em cima de mim e do meu irmão. Eu chego e digo: 'Mãe, não é
assim que você tem que fazer. Se você está estressada, deve conversar
com quem te deixou raivosa. Você não tem que descontar em nós' ", conta
Felipe sobre como tenta resolver os conflitos dentro da própria casa.
"Eu acho que me ajudou. Porque antes eu era muito perdida em horário,
hoje sou mais esperta", afirma Ana Gabriela Cruz, de 14 anos, sobre os
novos hábitos motivados pelo método pedagógico.
Além do
crescimento pessoal, Gabriela gosta da troca de experiências
proporcionada pelo projeto. "Eu posso virar a professora da Ana Suellen,
de matemática, ou ela pode virar a minha professora de português. Isso é
legal pra caramba, a gente pode trocar uma ideia. Não aquele negócio de
que não pode conversar, nem olhar para o colega. Aqui é totalmente ao
contrário", ressalta.
A participação ativa dos estudantes e a
reavaliação do papel dos educadores foi, segundo Amélia, fundamental
para dar coerência ao método. "A cada 45 minutos entrava um novo
professor na sala de aula. Cada professor que entrava tinha uma escola
na sua cabeça, uma concepção e critérios de avaliação. Quando começava a
se interessar por algo, chegava um novo professor, apagava a lousa".
A carga de atribuições e responsabilidades não impede, entretanto, que
mesmo os bons alunos se deem ao luxo de cometer algumas travessuras.
"Admito que também já fiz isso. É legal, você desce escorregando [no
corrimão da escada]", diz Lauren Stephani Sales (10 anos). O deslize,
porém, durou pouco. A jovem conta que logo foi lembrada que deveria dar
exemplo aos demais. "Um dia a professora viu e falou assim: você é da
comissão".
Fonte: Agência Brasil, em 2/12/2015.
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