quarta-feira, 4 de julho de 2018

Universidades federais tiveram perda real no orçamento em cinco anos e verba encolheu 28%

As universidades federais tiveram em 2017 o menor repasse de verbas em sete anos, segundo dados exclusivos obtidos pelo G1. Entre as 63 instituições, 90% operam com perdas reais em comparação a 2013, ou seja, na prática o orçamento para gastos não obrigatórios está menor. Nesse período, o repasse total garantido pelo MEC encolheu 28,5%.

A redução da verba está na contramão da recente política de expansão da rede federal de ensino superior, iniciada em 2008 e que inclui a criação de novas universidades (do zero ou a partir do desmembramento de federais já existentes), a construção de novos campi e o aumento de matrículas. Expandir a participação do setor público na educação superior é uma metas do Plano Nacional de Educação (PNE).

O levantamento considera um período de 10 anos para evitar comparações concentradas em anos eleitorais, que podem gerar repasses atípicos. Mas concentra-se nos repasses feitos a partir de 2013 porque foi nesse ano que o MEC concluiu a criação das quatro últimas federais do conjunto de 63 (veja o raio-x de cada uma delas). Esse número se manteve até 2018, quando quatro novas federais foram criadas.

O valor "empenhado" representa uma reserva de dinheiro, ou seja, o valor que o governo federal se compromete a repassar para uma determinada ação. Após empenhado, o valor pode acabar não sendo usado pelas universidades por vários motivos, mas o Ministério da Educação diz que não tem ingerência sobre as demais fases da execução do orçamento.

A análise já leva em conta a correção dos valores segundo a inflação acumulada até janeiro deste ano e considera o total das despesas que podem variar, porque não são obrigatórias por lei. Por causa das mudanças metodológicas do sistema de orçamento federal, o Siop, até 2015 os dados também incluem uma pequena parte das despesas consideradas obrigatórias ou valores que foram repassados via emenda parlamentar (entenda a metodologia ao final da reportagem).

Os dados foram entregues a imprensa pelo próprio Ministério da Educação, por meio de um levantamento feito pela Subsecretaria de Planejamento e Orçamento do MEC (SPO).

No ano passado, o ministério empenhou o equivalente R$ 6.194.763.357 às 63 universidades para serem usados com despesas de manutenção e obras – o valor não inclui despesas como salário de professores ou pensão de funcionários aposentados, por exemplo. Foi a verba anual mais baixa desde 2010, quando o valor empenhado chegou a R$ 5.765.213.098. O valor já inclui a correção pela inflação do período, usando o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) médio acumulado, critério definido pelo próprio MEC.

Para efeitos de comparação, em 2017 o MEC se comprometeu a gastar ao todo R$ 109,3 bilhões, sendo R$ 34 bilhões para o ensino superior, segundo informações do Portal Siga Brasil, mantido pelo Senado Federal.

Mas o orçamento é composto de despesas obrigatórias por lei (como os salários) e de despesas consideradas "discricionárias", que são as que estão sujeitas a cortes e contingenciamentos. Em 2017, as despesas discricionárias representaram R$ 23,8 bilhões, menos de um quarto do orçamento global do MEC – o ensino superior recebeu R$ 11,5 bilhões dessa verba opcional diretamente do governo, e outros R$ 122 milhões em emendas parlamentares.

O "custeio" citado pelo MEC representa os valores previstos no orçamento para gastos com a manutenção da universidade, como pagar a conta de luz, cortar a grama ou manter o serviço do restaurante universitário. Já o "investimento" é a verba para a construção de salas de aula, laboratórios ou prédios, e a compra de veículos, por exemplo.

Segundo Emmanuel Zagury Tourinho, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), os dados mostram que a expansão não foi acompanhada de um aumento do investimento.

Tourinho ressalta que a qualidade de uma universidade exige uma política de investimentos constantes e de longo prazo. Segundo ele, isso se nota na comparação entre rankings internacionais de instituições, onde as universidades brasileiras são comparadas com outras estrangeiras com centenas de anos, que ao longo de vários séculos tiveram investimentos continuados.

Os cortes atingem, principalmente, os serviços terceirizados, como limpeza, manutenção e segurança, além dos benefícios para os estudantes de baixa renda, segundo reitores, estudantes e representantes de sindicatos ouvidos pelo G1 em 9 estados e no Distrito Federal.

Essa redução de benefícios vai na contramão da Lei Federal de Cotas, de 2014, que obriga as federais a ampliar o número de calouros de escolas públicas e negros, pardos e indígenas. Na maioria das instituições, os valores das bolsas para esses alunos ou foram mantidos no mesmo valor (alguns, congelados desde 2013), ou tiveram redução. Foi o caso da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), que teve que cortar o valor em 25%, de R$ 400 para R$ 300.

Na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), a opção foi reduzir o teto de renda para pagar o auxílio apenas para a faixa mais pobre entre os estudantes. Antes, quem tinha renda familiar per capita mensal de até 1,5 salário mínimo (ou R$ 1.431) poderia solicitar o benefício, agora, ele é limitado apenas para alunos com renda de R$ 754. Na Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mais de 600 alunos deixaram de ser atendidos.

Os impactos também afetam subsídios que beneficiam todos os estudantes. Nesta quinta-feira (28), a Universidade de Brasília (UnB), dobrou o preço cobrado pelo almoço no restaurante universitário.

Com orçamento mais enxuto, houve cortes de funcionários terceirizados em grande parte das instituições federais. Na UnB só em maio foram demitidos 533, segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília (Sintfub). A instituição também anunciou que encerraria o contrato de estágio de 1.100 estudantes.

Na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), de Santa Catarina, o reitor Jaime Giolo disse que demitiu motoristas para que cada um dos campi tivesse apenas um, que faz serviço de malote e até de transportador de móveis. Outro corte foi no serviço de copa da universidade.

A Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, reduziu os contratos de vigilância e zeladoria e desligou elevadores. Na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), houve até limitação no número de fotocópias.

As instituições também sentiram a queda nos investimentos, o que impede a continuação de reformas e obras e, com isso, até a abertura de novos cursos. Na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), foi paralisada a construção de três prédios e a compra de equipamentos para laboratórios e salas de aulas.

Em Rondônia, a Universidade Federal de Rondônia (Unir) paralisou reformas em prédios e a compra de equipamentos para grupos de pesquisa e laboratórios didáticos.

Os números desse levantamento inédito saíram do Siop, o sistema do orçamento público. Inicialmente, a equipe de reportagem do G1 levantou, para cada uma das 63 universidades, os valores disponíveis ano a ano no orçamento, desde 2008. E realizou a correção dos valores pela inflação.

Procurado pelo G1 para comentar o levantamento, o Ministério da Educação apresentou os dados do Siop coletados diretamente pela Subsecretaria de Planejamento e Orçamento do MEC (SPO), que a pasta considera como sendo "oficiais" para avaliar o valor efetivamente garantido pelo governo federal às universidades, calculando também a inflação acumulada. Como os dois levantamentos tinham números semelhantes, o G1 se baseou nos dados do ministério nesta reportagem.

Os números não representam a verba total de cada universidade. Entenda os critérios:

DESPESAS INCLUÍDAS: O levantamento só leva em conta o valor que o governo federal escolhe repassar às universidades. Ou seja, ele não leva em conta despesas como salários de professores e servidores na ativa ou pensão para aposentados, porque, para essas, o governo é obrigado a garantir recursos.
DISTORÇÕES: O MEC ressalta, porém, que a regra do orçamento varia de ano para ano, por isso, uma parte dos repasses incluídos nos dados pode conter recursos obrigatórios de benefícios aos servidores, mas que foram considerados como não obrigatórios pelos critérios da época. Além disso, até 2015 os repasses incluem os valores das emendas parlamentares (que são definidas pelos próprios congressistas, sem interferência do MEC), porque o sistema não diferenciava esse valor do resto do orçamento.
SÓ A VERBA DO MEC: O levantamento também deixa de fora a verba própria de cada instituição, que varia de acordo com as fontes de receita (algumas têm receitas vindas da prestação de serviços, venda de patentes ou taxas de vestibulares, por exemplo).
CÁLCULO DA INFLAÇÃO: Os valores de anos anteriores a 2018 foram atualizados para o período de janeiro deste ano usando como índice o IPCA médio de cada ano, um critério usado e calculado pelo próprio MEC.
CATEGORIAS DE REPASSE: O sistema do orçamento federal acompanha o dinheiro da União nas várias fases até que ele chegue de fato a ser gasto. Nessa análise são citados apenas os valores da dotação inicial, ou seja, o orçamento previsto para cada universidade na Lei Orçamentária Anual (LOA), que é aprovada pelo Congresso, e os valores da fase de empenho, ou seja, quando a universidade já justificou o gasto e o governo já se comprometeu a reservar dinheiro para isso. Os valores, porém, podem não ter sido pagos posteriormente, caso a ação não tenha sido executada; o MEC diz que, nessas situações, a responsabilidade pelo não uso da 

Fonte: G1 Educação em 29/06/2018.

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