Muito trabalho, salários menores do
que se imagina, falta de respeito dos alunos e um dos piores sistemas
educacionais do mundo. É assim que o brasileiro vê a profissão de professor, o
que fez o Brasil cair para a última posição do ranking de
prestígio de docentes. A pesquisa, realizada em 35 países, foi divulgada na
quarta-feira (7/11/2018) pela Varkey Foundation, entidade dedicada à melhoria
da educação mundial.
O resultado do Brasil se torna ainda
mais alarmante se comparado ao do cenário global, que registrou uma melhora na
percepção do status dos professores. Vale lembrar que, na última edição da
pesquisa, em 2013, o país ocupava a penúltima posição dentre os 21 pesquisados.
A avaliação de 2018, por sua vez, foi realizada em 35 países – acompanhando as
avaliações do PISA –, e foram entrevistadas mil pessoas entre 16 e 64 anos.
Para Sunny Varkey, fundador da Varkey
Foundation, o índice fornece provas de que o status dos professores na
sociedade, seu prestígio e a forma como são enxergados, tem influência decisiva
no desempenho dos alunos na escola.
“Respeitar os
professores não é apenas um dever moral importante, é essencial para os
resultados educacionais de um país. Mas ainda há muito a ser feito antes que os
professores recebam o respeito que merecem”, diz Varkey.
Vale lembrar que a Varkey promove
anualmente o Global Teacher Prize, o “Nobel da Educação”,
que premia os melhores educadores do ano. A última edição, realizada em março,
em Dubai, Emirados Árabes, foi vencida pela britânica Andria Zafirakou, e teve o professor
brasileiro Diego Mahfouz Faria Lima entre os dez finalistas.
A pesquisa também mostra que há pouca
compreensão do trabalho e da remuneração dos professores. Enquanto os
entrevistados acreditam que os docentes trabalham, em média, 39,2 horas por
semana, os profissionais relatam 47,7 horas dedicadas semanalmente ao ofício de
ensinar – quase 20% a mais. Por outro lado, as pessoas estimam que os
professores tenham salário médio inicial de US$ 15 mil, enquanto, na verdade, a
remuneração é de US$ 13 mil, em média. Há ainda a percepção de que os salários
não sejam justos: os brasileiros defendem que um docente em início de carreira
deva ganhar o equivalente a US$ 20 mil por ano – um aumento de US$ 7 mil.
O levantamento mostra ainda que 88%
dos brasileiros consideram a profissão de professor como sendo de “baixo
status” – o segundo pior lugar do ranking mundial, perdendo
apenas para Israel, onde 90% dos cidadãos pensam da mesma forma. Talvez por
isso, apenas um em cada cinco brasileiros incentivariam o filho a ser
professor, a sétima pior posição global. Em comparação, na Índia, 54% dos pais
dizem que encorajariam o filho a ensinar.
Diante do cenário caótico, é natural
que os brasileiros classifiquem seu sistema de ensino como ruim – melhor apenas
que o egípcio: enquanto o Brasil leva nota 4,2, o país africano é avaliado em
3,8 por seus cidadãos. Nossa vizinha Argentina ganhou nota 5,4 e a Finlândia,
líder do ranking, foi avaliada com 8 na escala que vai de zero a
dez.
Mas, afinal, o que faz com que os
brasileiros tenham essa percepção negativa sobre a educação no país e seus
professores? Para Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM e ex-secretária de
educação básica do Ministério da Educação, a falta de respeito para com os
docentes é um sintoma de vários problemas. O primeiro deles é que o modelo da
escola é obsoleto.
“Temos um modelo educacional marcado
pelo modelo das escolas no início do século 20, com um desenho completamente
diferente. As crianças recebiam as informações na escola, e, hoje, recebem
milhares de informações fora da escola. Se você tem uma educação que não
prioriza a interpretação, a reflexão, não é à toa que tenha uma campanha
presidencial feita com fake news. As crianças recebem essa montanha
de informações, do YouTube, WhatsApp... E quando chegam na escola, ela ainda é
analógica. Os professores escrevem no quadro e as crianças copiam. É um livro
em texto, ainda monodimensional, sendo que as crianças enxergam tudo de forma
multidimensional. O professor foi formado para trabalhar dessa maneira
tradicional, arcaica, obsoleta. Muitas vezes ele sente que tem que mudar, mas
não tem a formação para mudar”, explica Pilar.
A educadora lembra ainda a
desigualdade econômica e a violência urbana como fatores que prejudicam o
ensino e afetam o professor, tanto no desenvolvimento da sua profissão quanto
no cotidiano do trabalho. A educação em áreas vulneráveis será tema de seu
painel selecionado para o South by Southwest EDU, festival realizado em março
nos EUA que discute novas iniciativas educacionais.
“Muitas vezes o professor para o
projeto no meio por conta de alunos assassinados, abandono de bairro por brigas
de facções. É um cenário com uma indecente desigualdade socioeconômica. Os
professores encontram situações de alunos de 8 a 10 anos em situação de extrema
miséria. E quando a gente pensa na educação para todos, temos que pensar em
educação para crianças cujos pais e avós não estudaram que não têm acesso à
literatura, cinema, teatro”, lembra.
Outro fator a ser considerado é a
mudança radical que a profissão de professor sofre a partir dos anos 1980 e
1990, após a Constituição de 1988 e a inclusão digital. “Quando você pergunta a
essas crianças o que elas querem fazer quando crescerem, grande parte cita
profissões que não existiam cinco anos atrás: youtuber, influenciadora digital... Mesmo professores na faixa dos
40 anos sequer sabem como se ganha dinheiro sendo youtuber, influenciadora digital. Isso não faz parte do desenho
mental. Temos que ressignificar isso com os alunos, trabalharem
com projeto de vida, qual o sonho profissional, aprofundar o diálogo”.
Para Mozart Neves Ramos, diretor de
Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, a crise na percepção do
status dos professores – e consequentes falta de respeito e má remuneração –
passa diretamente pela falta de atratividade do magistério no Brasil.
Ainda para Mozart, é necessária uma
atuação mais adequada das universidades na formação dos professores. Para ele,
os cursos são extremamente teóricos e pouco práticos, o que contribui para que
os profissionais estejam pouco conectados com a escola. “Se a universidade não
melhorar sua formação, não vamos ter uma qualidade na base para atingirmos a
meta do ensino superior. Enquanto o mundo está se preparando para a revolução
4.0, nossos professores estão lidando com problemas do século 19, do século 20.
O professor tem que ser um tutor, indutor de qualidade, que promova o trabalho
em equipe, ele tem que ser formado em educação integral, coisa que as
universidades não fazem.”
“Quando a gente
compara dados iniciais do salário da carreira de professor com outras áreas, a
diferença é de 11%. Na medida em que isso evolui, a diferença atinge 40%, no
nível intermediário. Já no fim da carreira, atinge até 70%. São estudos da
PNAD, que mostram o crescimento da defasagem salário ao longo da carreira. No
último PISA, dos adolescentes que participaram, nenhum respondeu que queria ser
professor. Isso é um retrato da baixa atratividade e do baixo prestígio que tem
a carreira de professor no Brasil”, fala Mozar Neves Ramos.
Por fim, Mozart lembra os inúmeros
casos de violência contra professores registrados nos últimos anos. Para ele, o
problema é maior que apenas o campo da educação. “Essa pesquisa retrata um
grave problema do Brasil, não só da educação brasileira. Quando a gente vê
essas inúmeras reportagens de violência dos alunos contra professores, isso
passa por um ponto central: é dever do estado e da família prover essa
educação. O que hoje observamos é que as famílias estão delegando às escolas o
seu papel, que é educar seus filhos. E quando falta essa educação familiar, ela
se manifesta no ambiente escolar. E quem é a vítima desse processo? O
professor”.
Fonte: G1 Educação em 08/11/2018.
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