sábado, 24 de agosto de 2019

Future-se não agrada: considerações da ANPG sobre o projeto

A Associação Nacional de Pós-Graduandos, em reunião de sua diretoria executiva, discutiu preliminarmente o projeto Future-se apresentado no mês de julho pelo Ministério da Educação. Pretendemos, neste breve documento, tecer algumas considerações importantes para o debate que deverá ser aprofundado na próxima reunião de diretoria plena da entidade, no dia 30 de agosto. De modo, que os pós-graduandos possam, como sempre fizeram ao longo da história, contribuir qualitativamente com a universidade e educação brasileira. 

O Projeto Future-se, de maneira geral, usa como pretexto a profunda crise econômica que padecem as universidades brasileiras, fruto de sucessivos cortes orçamentários que têm estrangulado as atividades de ensino, pesquisa e extensão, em conformidade com o projeto do Governo Bolsonaro-Mourão de sucateamento e privatização da educação pública. Para tal, sugere um conjunto de medidas que além de não resolver, aprofundam os problemas vivenciados pelas IFES (Instituições Federais de Ensino Superior). Isso porque não enfrentam as verdadeiras causas que estão levando aos cortes de energia, paralisia de laboratórios, pesquisas e obras e até à suspensão de todas as atividades, como já alertado por diversas IFES nos últimos meses, justamente pela ausência de recursos para o seu funcionamento.

As universidades são centros de excelência acadêmica e científica, abrigando grande parte da pesquisa nacional, vinculada especialmente aos seus cursos de pós-graduação. Hoje, a partir de avanços na democratização do acesso ao ensino superior, oferecem formação de qualidade à população, possibilitando que brasileiros independentes de sua classe social tenham acesso à educação de muita qualidade. Além disso, a expansão da rede universitária nos últimos 15 anos permitiu a criação de novos campi no interior do Brasil, levando desenvolvimento para diversas regiões do país que enfrentam ainda um ciclo de desequilíbrio econômico e desigualdades sociais.

Entretanto, com as medidas de austeridade promovidas pelas equipes econômicas de Michel Temer e Jair Bolsonaro, como o congelamento de investimentos a patamares mínimos por 20 anos, imposto pela Emenda Constitucional 95, do “Teto de gastos”, e os cortes e contingenciamentos de recursos das universidades que variam por volta de 15 e 55%, estão colapsando o sistema nacional de educação superior e levando as universidades a atual condição humilhante que vem enfrentando. Esses cortes e congelamentos não são um acaso, uma consequência natural do funcionamento das universidades. São uma política deliberada de estrangulamento orçamentário que visa a criar justificativas ideológicas para a privatização das universidades brasileiras.

É nesse contexto que o Future-se é apresentado como suposta alternativa ao investimento público, oferecendo um plano de “autonomia financeira” das universidades a partir da captação de recursos advindos da iniciativa privada.

Em primeiro lugar, a Constituição Federal é nítida quando expressa, em seu artigo 207: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Quando a lei trata da autonomia de gestão financeira, pressupõe-se que a universidade, assegurado recursos públicos para sua manutenção, tem autonomia de gestar esses recursos de acordo com o planejamento institucional de cada IFES. Portanto, em primeira linha, o future-se representa um ataque à autonomia universitária ao tratar de autonomia financeira e não da autonomia de gestão financeira.

Em segundo plano, ao sugerir a criação de um Fundo de Investimentos, incluindo os imóveis universitários como fonte de recursos, cujos rendimentos financiariam os custos do sistema de IFES em associação com a captação de recursos através de parcerias público-privado para realização de ensino, pesquisa e inovação, o MEC coloca em risco o caráter público da educação brasileira, já que não seria mais do Estado brasileiro a primazia do financiamento. Isso abre caminho para fragilizar a autonomia didático-científica uma vez que o ensino e as pesquisas necessariamente estariam voltados para uma finalidade específica de quem as financiam e que pode não ser um interesse público que vise o desenvolvimento local, regional e nacional. Além disso, esses fundos associados às regras do mercado financeiro, associam o orçamento da educação e ciência aos riscos do mercado financeiro, fragilizando seriamente a educação e ciência do presente e do futuro.

E mesmo essas soluções apresentadas não sinalizam para o sucesso financeiro do projeto. Pelo contrário, as crises econômicas levam o setor privado a retrair investimentos e não ampliar. As universidades já possuem captação própria de recursos para complemento do seu orçamento. Mesmo assim, segundo recente matéria do jornal Folha de São Paulo, do último dia 3 de agosto, as receitas próprias das universidades teriam caído de 1,5 bi em 2013 para 753 milhões em 2017, menos da metade. Esse valor corresponderia a apenas 1,5% do orçamento total das universidades em 2017. Ou seja, um valor irrisório diante do tamanho do parque universitário brasileiro e dos desafios que a universidade enfrenta para solucionar os problemas sociais que assolam o Brasil.

Outro ponto sensível é a proposta de criação de Organizações Sociais para atuar na gestão das universidades. É certo que a máquina pública possui muitos entraves administrativos, em especial quando se trata da operação de projetos de pesquisa e inovação tecnológica. No entanto, entregar a gestão da universidade a entes privados não é a solução para esse problema. Com as OSs, há riscos claros à autonomia da universidade em gerir seu espaço físico, plano de ensino e projetos científicos. E embora o MEC tenha anunciado, no último dia 06 de agosto, a substituição das funções atribuídas às OSs pelas Fundações de Apoio - já existentes nas universidades-, essa mudança pouco altera a proposta caso as atribuições destinadas as OS no projeto não se modifiquem. Uma dessas atribuições seria a possibilidade de contratação de docentes, sem concurso público, via CLT, o que acabaria com a estabilidade profissional necessária para execução da liberdade de cátedra essenciais na produção científica, por exemplo.  Podem ainda gerar um novo problema: tornar as Fundações de Apoio tão mais poderosas que as universidades, que também poderia ensejar uma sobreposição delas sobre a autonomia universitária.

No tocante à Ciência, Tecnologia & Inovação, é preciso afirmar que o future-se traz aspectos que implementam algumas leis já em vigor no Brasil, como a Lei do Bem, Lei da Inovação e Marco Civil da Ciência e Tecnologia. Entretanto, traz componentes que podem ferir a soberania nacional e produção cientifica brasileira ao permitir, sem regulamentação, a parceria com empresas estrangeiras e responsabilizar o cientista pelo financiamento de sua pesquisa, a partir da busca individual de recursos para realização das mesmas.

Diante do exposto, a ANPG se soma as vozes que recusam o projeto Future-se como alternativa para o financiamento público das universidades brasileiras. Por isso, defendemos que o governo e MEC revoguem imediatamente os cortes orçamentários na educação e na ciência; retomem o investimento nas universidades públicas; assim como realize o reajuste e recomposição imediata das bolsas de estudo, de pesquisa e produtividade, uma vez que são políticas públicas que induzem a produção cientifica e inovação no país.

Cumpra-se a determinação do Plano Nacional de Educação de investir 10% do PIB na educação pública e se implemente a destinação de 25% do Fundo Social do Pré-sal em C&T. O Future-se é um projeto de privatização e sucateamento da universidade pública, com o objetivo de adequar nosso ensino, pesquisa e extensão aos ditames do grande capital financeiro, apoiado por organismos internacionais como o Banco Mundial e o FMI. Esses organismos não têm interesse nenhum na educação brasileira senão como fonte de renda de grandes grupos de acionistas internacionais.

Defendemos a universidade pública, gratuita e de qualidade e estamos vigilantes a propostas que visem a privatização da educação. A superação da crise econômica brasileira, ao contrário da política de austeridade, passa por retomar o investimento na educação pública e na ciência.

Por fim, compreendendo que nosso papel não é apenas de repudiar a proposta do Future-se, mas, principalmente, construir alternativas para a superação dos desafios das universidades, a ANPG, junto a outras entidades do movimento educacional, se coloca o desafio de elaborar para o debate com a sociedade e comunidade acadêmica, um projeto de Reforma Universitária que aponte para o fortalecimento da universidade que queremos: pública, gratuita, laica e de qualidade.


Diretoria Executiva da Associação Nacional de Pós-Graduandos.

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