Confirmada a vitória de Bolsonaro em 29 de outubro de 2018, estudantes de Porto Alegre, alunos de uma escola pública (Aplicação) e três particulares (Marista Rosário, Bom Conselho e Santa Inês) promoveram manifestações contrárias ao eleito. Exibiram faixas com as cores LGBT+ e bradaram: “Seremos resistência!”.
No Marista, outro grupo revidou vestido de verde e amarelo, empunhando a bandeira do Brasil e gritando “Mito” e “Fora PT”.
Pais bolsonaristas protestaram junto à direção das escolas e exigiram a expulsão dos manifestantes insatisfeitos com o resultado da eleição. O Marista esclareceu que a manifestação “foi espontânea e voluntária” e defendeu a liberdade de expressão: “salientamos a importância de diálogo para a discussão sobre a promoção e a defesa dos direitos, fortalecendo a nossa missão de formar cidadãos comprometidos com a promoção da vida e da cultura de paz”.
O Aplicação emitiu comunicado “em defesa da liberdade de expressão, e considera o ambiente escolar e universitário como um lugar plural, de discussão e pensamento crítico”. Os outros dois colégios se posicionaram na mesma linha, ressaltando a isenção partidária.
O protesto dos jovens fez surgir, na capital gaúcha, a Associação Mães & Pais pela Democracia, suprapartidária, que acaba de lançar o livro “Educação com amor e liberdade – ensaios sobre maternidade, paternidade e política” (Tomo Editorial), organizado por Aline Kerber, socióloga especialista em segurança pública.
Os depoimentos reunidos são impactantes pelo modo como mães e pais, todos profissionais liberais com graduação universitária, declaram que anseiam ver seus filhos, quando adultos, livres de preconceitos e atitudes discriminatórias. Descrevem o que significa ser pai e mãe nessa conjuntura na qual ainda vigoram o racismo, o trabalho infantil, a perseguição ideológica e as tentativas de impor nas escolas o pensamento único contrário aos direitos humanos.
O movimento Mães e Pais pela Democracia reage contra os pais que, à porta das escolas e pelas redes digitais, defendem o medo, a educação acrítica, e até mesmo absurda, quando abraçam a hipótese de que “a Terra é plana”, e consideram a educação escolar mera mercadoria pela qual pagam e, portanto, se sentem no direito de tratar os professores como seus empregados.
Sublinha Diana Corso no prefácio, “como todos os ideais, a capacidade de ser democráticos se demonstra na prática: nossos filhos não se pautam pelo que dizemos, eles se formam a partir do que observam que realmente fazemos”.
Na Escola Compartida ou Compartilhada, pais, professores, alunos e funcionários se empenham na formação, não apenas de profissionais qualificados para o mercado de trabalho, mas, sobretudo, de cidadãos dotados de consciência crítica e responsabilidade social.
O Brasil precisa exorcizar, urgentemente, sua herança escravagista, que faz o patrão se julgar dono do funcionário; o doutor se considerar melhor que o analfabeto; o político mirar os eleitores como mera massa de manobra.
Não há ninguém mais culto do que outro. Existem culturas distintas e socialmente complementares. O juiz é mais culto do que a cozinheira analfabeta? Faça-se a pergunta: quem pode prescindir da cultura do outro? É um engodo confundir escolaridade com cultura. Grandes atrocidades foram cometidas por pós-doutorados, como as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.
Sem base ética e liberdade de expressão, a educação se torna mero adestramento para fomentar, na expressão de La Boétie, a “servidão voluntária”, o que será agravado com essa nova medida do governo Bolsonaro de criar um canal para receber denúncias contra professores. Eis o Ministério da Deseducação.
Fonte: Correio da Cidadania em 28/11/2019.
* Frei Beto é Assessor de movimentos sociais. Autor de 53 livros, editados no Brasil e no exterior, ganhou por duas vezes o prêmio Jabuti (1982, com "Batismo de Sangue", e 2005, com "Típicos Tipos")
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