sexta-feira, 24 de abril de 2020

Pandemia impulsiona o surgimento de uma nova geração de aprendizes*

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), estima que metade dos estudantes em todo o mundo, 850 milhões de crianças e adolescentes de 102 países, terão que ficar em casa por semanas ou meses. Diante de uma pandemia que exige o distanciamento social, as sociedades têm enfrentado o desafio de se reorganizar para manter o fluxo de trabalho e de educação dentro das próprias casas, contando com o apoio da tecnologia para aproximar alunos, professores e pais. Da noite para o dia, a sala de aula veio para dentro de muitos lares! Ao refletir sobre o papel desempenhado pelos pais brasileiros na vida educacional dos filhos, vemos que este momento pode ser acompanhado por uma grande oportunidade para que as famílias se aproximem do processo de aprendizagem de crianças e jovens. Se enxergamos esse momento em perspectiva, vamos interpretar essa vivência de um modo mais otimista; uma experiência que nos levará a um novo patamar como pais e mediadores corresponsáveis pela educação que se inicia em sala de aula, mas que segue atuante em todos os momentos da vida do estudante. Não estamos dizendo que o aprendizado a distância será o futuro da educação; ao contrário, este é um momento de exceção e, apesar de ter que ser tratado como tal, também pode ser visto como um potencial impulsionador de mudanças positivas – e tão necessárias – na educação brasileira.

O desafio está imposto a todos. Para as famílias cabe a ampliação do próprio repertório sobre o ato de educar. Quando pensamos a educação em um sentido amplo e questionamos pais e responsáveis sobre o que desejam para os filhos, invariavelmente eles respondem com palavras como colaboração, solidariedade, empatia, compaixão, honestidade, responsabilidade, resiliência, autocuidado e autoestima, capacidade de resolver problemas com criatividade, pensamento crítico e científico, flexibilidade e adaptabilidade. Nesse sentido, estamos diante de um momento que vai definitivamente marcar nossas vidas com muitos aprendizados; vai, ainda, marcar a história da educação com muitas transformações. São exatamente essas situações-limite – de maior desafio, conflito e desconforto, que extrapolam a sala de aula –, que melhor servem como alavanca de aprendizado significativo para lidar com os desafios da vida.

Entretanto, os pais e responsáveis devem saber que a educação online, implementada em um contexto como o da quarentena, tem peculiaridades. Sair temporariamente da escola física para a digital requer um preparo e profissionalismo que muitas soluções não oferecem. É necessário estar atento ao uso da tecnologia com intencionalidade pedagógica, que apresenta um olhar para a educação – uma forma de educar que dialoga com as demandas do século XXI. Análise do Fórum Econômico Mundial revela que a pandemia do coronavírus está mudando a forma como milhões de pessoas são educadas no mundo ao fornecer uma brecha digital para que novas abordagens pedagógicas, com uso de tecnologias, sejam implementadas como alternativas às salas de aula fechadas. Com tantas mudanças, a oportunidade aqui é a da inovação educacional para muitas escolas que mantêm o paradigma tradicional de ensino e aprendizagem que não conversa mais com a geração atual de estudantes.

Todos nós – escola, educadores, professores, estudantes e famílias – estamos sendo convidados, ou melhor, obrigados, a repensar crenças e atitudes; a desaprender e aprender; a se aventurar em novas práticas e possibilidades. Ao mesmo tempo e, em especial, a desenvolver e fortalecer valores como a colaboração, compaixão e solidariedade. Escolas e professores estão trabalhando intensamente para redesenhar totalmente os processos de ensino-aprendizagem, calendários e currículos para conseguirem não somente se adaptarem ao modelo a distância, mas para garantir que ocorra com máxima eficiência de aprendizagem. Em paralelo, ainda apoiam a formação dos estudantes e famílias para lidarem com esses novos modelos de trabalho. Os estudantes, por sua vez, estão sendo desafiados a aprenderem com maior autonomia a assumirem uma maior responsabilidade pelo próprio aprendizado; a se organizarem para atingir os objetivos definidos, desenvolverem novos hábitos e rotinas de estudo. As famílias, que muitas vezes se mantiveram distantes da rotina acadêmica dos filhos – em função de limitações impostas pela rotina do trabalho –, estão tendo a oportunidade de se reaproximarem e se conectarem com os filhos; retomarem o papel de mediadores, acompanhando e apoiando as rotinas de estudo.

Quando pensamos nos recursos didáticos, novas formas de trocas e relacionamento entre professores e estudantes serão intensificadas daqui em diante. Este é um processo já em curso, mas ainda tímido na educação brasileira; em contrapartida, as experiências de outros países já mostram naturalidade nesta relação entre tecnologia e educação. Neste contexto de isolamento, plataformas de aprendizagem digitais e ferramentas de comunicação virtuais tornaram-se imprescindíveis. O estudante de hoje, que já nasceu conectado à vida online, tem a oportunidade de desenvolver novas competências do uso do digital que lhe acompanharão por toda a vida, trazendo novos significados para além do entretenimento e do lazer como a responsabilidade do uso e a consciência dos riscos e oportunidades que o mundo virtual traz. Coordenadores, professores e famílias poderão ampliar a capacidade de apoio e acompanhamento a partir de dados e evidências oferecidos por um ambiente de aprendizagem digital.

Diante do novo e do inesperado, é natural que se instale algum tipo de tensão e ansiedade – o que deverá exigir autogestão e muito equilíbrio emocional de todos nós; competências essas, aliás, mais do que essenciais em um mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo. Para que possamos aproveitar o momento imposto da melhor maneira possível, é imprescindível que uma relação de confiança, cooperação e empatia se estabeleçam entre todos os atores da comunidade escolar. Estaremos todos aprendendo juntos. Não existe uma solução única e o caminho será construído em conjunto. É fato que seremos muito desafiados; que algumas frustrações ocorrerão; e isso faz parte! Mais do que "sempre", espera-se da comunidade escolar uma atitude e mentalidade de crescimento, a partir da qual os erros são parte indissociável da jornada de aprendizado.

Uma nova geração de aprendizes está nascendo com a crise. Mais capaz e mais atenta aos desafios que virão pela frente. Talvez esse seja o “empurrão” que faltava para promover a tão necessária e desejada transformação da educação. O futuro nos confirmará as oportunidades que o presente impôs.


* Mauro Romano é Mestre e Engenheiro graduado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com MBAs pela Fundação Dom Cabral (FDC) e pela FEA-Unicamp/FIA-USP. Exerceu cargos de liderança nas áreas de inovação, alianças estratégicas e desenvolvimento organizacional em grandes corporações por mais de 17 anos. Como empreendedor social, participou de diversas organizações e negócios de impacto, entre eles a Artemisia, da qual é conselheiro. Foi professor dos MBAs da FATEC e BSP. Apaixonou-se por educação. Atualmente é educador parental, professor de Matemática e sócio-diretor da Geekie.

*Articulando esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do coletivo de educadores.

Mais informações com Frida Luna Boutique de Comunicação

Betânia Lins betania.lins@gmail.com Celular: (11) 97338-3879

2 comentários:

  1. Penso que essa política contempla a elite e a classe média, porém, não os desfavorecidos de nossa sociedade. Estes, aliás, a grande maioria de nossa população brasileira não contam com uma vida estruturada, nem financeira, nem emocionalmente, além de não possuírem, nem dominarem a tecnologia. Nem são considerados no planejamento e nas discussões das políticas traçadas... Portanto, o Brasil continuará desigual e excludente. As nações desenvolvidas, igualmente capitalistas como a nossa, onde a acumulação e a concentração de riquezas nas mãos de alguns é um princípio, conseguiram investir no setor Educação, hoje tão vulnerável à pandemia. E, nesse momento podem dispor, como sempre dispuseram, de material humano e tecnológico que lhes permitem envolver a infância, a juventude, seus parentes e profs no processo geral, extraindo da calamidade que nos abate, o máximo de conhecimentos possível.
    Entrementes, ainda assim, dificilmente considerarão 2020 um ano letivo regular, normal. Imaginem então o nosso país! Aqui, os governantes e seus parlamentares continuam aprovando leis que retiram mais direitos dos pais e das mães, da classe trabalhadora, deixando-os ansiosos e desesperados frente à fome e à morte iminentes.
    Duvido que qualquer educador do mundo por mais comprometido e preparado que seja, consiga realizar com alguma serenidade seu fazer pedagógico nesse cemitério coletivo no qual se transformou nosso Planeta.
    E, por mais capitalistas que sejam as "autoridades competentes", não creio também que abram mão desse espaço privilegiado, rico, inspirador, laboratorial e gregário que é o espaço físico escolar.

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  2. Articulando Educadores agradece a sua excelente contribuição.

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