sábado, 25 de julho de 2020

Como ficará o mundo pós-pandemia?!?*

As ideologias, sistemas e regimes que durante décadas sustentaram nossas crenças e valores estão ruindo após a chegada do Covid-19. O capitalismo como sistema dominante no planeta se mostrou incapaz – também - de lidar com a pandemia. Quem melhor apresentou uma reação a esse grave momento no século XXI foi a China e os países onde se aplica a socialdemocracia (Dinamarca, Finlândia, Nova Zelândia – coincidência ou não, países comandados por mulheres). A opressão do capital não deu conta de lidar com a necessidade de manter as pessoas reclusas. A direita e a esquerda no mundo mergulharam em perplexidade e só conseguiram repetir em seus discursos chavões ultrapassados que passam longe da abordagem das questões essenciais para lidarmos com essa novidade na saúde do planeta. A pandemia que assolou a humanidade nesse ano de 2020 é uma resposta da Natureza ante a destruição ecológica imposta pelos sistemas político-econômicos da atualidade. O desafio está posto: é necessário buscar um novo modo de pensar e viver.

Os governos terão que encontrar uma nova política para os seus cidadãos onde as transformações científicas e tecnológicas possam avançar sem que causem degradação cultural e socioambiental. A evolução da informatização aponta para uma liberação cada vez maior do tempo de trabalho, isso desde que as pessoas não se deixem escravizar pela tecnologia nem se alienar pela mecanização e automação imposta pelo mercado que nos têm gerado angústia, desemprego, marginalidade, neuroses e violência. O bom seria que essa nova fase política abrisse caminho para uma harmonia com o meio ambiente, com a ciência, a cultura e um modo de vida mais respeitoso para com os nossos semelhantes e a Natureza.

A atual crise da humanidade só poderá ser debelada através de uma revolução cultural, política e social. Faz-se necessária uma nova mentalidade onde a defesa da ecologia seja foco de total atenção por parte dos governantes e governados. Não menos importante será a afirmação de um espaço de respeito e atenção para com as relações interpessoais dos cidadãos. Essa nova política deverá reorganizar a produção de bens materiais, buscando valorizar o nível da vida afetiva e emocional dos seres humanos, pois a mudança do clima no planeta não discrimina, assim como as pandemias. Somos parte desse todo. Os cataclismas não discriminam, eles atingem a todos. A lição que tiramos do Covid-19 é que somos descartáveis. Até agora a humanidade só tem dado saltos empurrada pelas desgraças, mas o que se tem constatado é que aprendemos muito pouco com essas experiências dramáticas. Depois de tantas guerras, terremotos, maremotos, erupções vulcânicas, pragas naturais, continuamos agredindo o meio ambiente e a nós mesmos.

Com a evolução conseguida através da ciência e da tecnologia podemos mudar nosso procedimento de vida rapidamente. Durante essa pandemia foi possível constatar que os governos têm bilhões de dólares que poderiam ser destinados à melhoria de vida de seus cidadãos. Mas também sabemos que se não lutarmos, se não fizermos pressões por mudanças na aplicação de investimentos das políticas públicas, iremos continuar reféns desse sistema neoliberal e desumano que domina o nosso planeta atualmente.

Os mecanismos de dominação não estão apenas nas estruturas de produção (bens e serviços), mas também na mídia, principalmente na publicidade e propaganda, que sustentam o sistema político-econômico. O poder motivador é internalizado pelos oprimidos (no caso os cidadãos consumidores) e quase sempre os partidos e sindicatos reproduzem os mesmos modelos autoritários que bloqueiam a inovação e a liberdade de expressão. Este é um problema-chave que o novo pensamento ecológico-social terá que enfrentar: até mesmo as forças que tentam contestar as regras do jogo estão inconscientemente cooptadas pela hegemonia. 

O capitalismo de hoje domina o conjunto da vida econômica, cultural e social do mundo globalizado, predominando sobre à subjetividade e o psiquismo dos indivíduos. É quase impossível fazer-lhe oposição apenas atuando através das tradicionais práticas políticas e sindicais. Devemos travar novas batalhas na vida cotidiana dos indivíduos, nas suas relações domésticas e de vizinhança e até mesmo nas relações éticas, principalmente as profissionais. Não devemos apenas buscar o consenso, é preciso também trabalhar com o dissenso, priorizar o coletivo e a produção singular de existência humana, darmos atenção às cinco necessidades elencadas pelo psicanalista Erich Fromm e pelo psicólogo Abraham Maslow, e assim combater o individualismo exacerbado que o neoliberalismo tenta nos impelir.

O que impressiona hoje em dia as pessoas conscientes é que os países desviam recursos públicos antes destinados à saúde, educação e toda área social para o mercado financeiro dominado pela minoria de 1% da população, e grande parte da massa de excluídos apoia essa política em nome de uma retórica vazia e ilusória de luta contra o Estado. O que torna singular a fase atual é o apoio de grupos que são, em verdade, os mais prejudicados com o sistema neoliberal. Atualmente, a necropolítica adotada nos EUA e no Brasil obtém justamente o apoio da população que vai morrer. Isso é algo que foge de qualquer padrão lógico, mas que reflete a eficácia com qual a revolta da massa foi capturada e subvertida pela revolta da elite.

Ao que parece, em um primeiro momento, sob uma análise psicossociológica ainda incipiente, é que a pandemia de 2020 provocou rachaduras na ideologia neoliberal que privilegia a rentabilidade econômica em detrimento das necessidades ambientais, culturais e sociais. A prevalência do lucro em relação à saúde e à vida foi questionada em todos os países. Dependendo das manifestações políticas, o neoliberalismo sofrerá mudanças: será substituído pela socialdemocracia ou pelo capitalismo de Estado, ou permanecerá como está, claudicante em um punhado nações.

Para enfrentar a ação do mercado que tentará impor  sobrevida ao neoliberalismo, faz-se necessária uma reação política transversal, abrangendo elementos transdisciplinares. A política ambiental apenas antecipou a ecologia generalizada do futuro. Ela impõe a reavaliação da finalidade do trabalho e das atividades humanas em função de critérios diferentes dos de rendimento e lucro. É necessária a democratização dos meios de comunicação por grupos autônomos e representativos da sociedade civil: o fim do monopólio supõe iniciativas comunitárias de rádio e TV livres. A crise do capitalismo provocada pelo vírus Covid-19 abre um leque de oportunidades no planeta Terra. Agora cabe a nós humanos saber reconstruir a sociedade pós-pandemia. 

* Marcos Alexandre, jornalista acadêmico, professor universitário e mestre em Psicologia.

** Articulando esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do coletivo de educadores.

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