segunda-feira, 6 de julho de 2020

Coronavírus terá efeito colateral de ampliar desigualdade na educação*

Ao redor do mundo a pandemia do novo coronavírus desafia estudantes, pais, professores, escolas, redes públicas e privadas. Neste momento há mais dúvidas que certezas em relação ao método mais adequado para garantir a aprendizagem por ensino remoto, quando e como deve ser realizado o retorno às aulas presenciais e o que deve ser feito no retorno para recuperar as aprendizagens dos alunos. Por fim, há ainda a dúvida em relação ao impacto da pandemia na educação básica: o que muda?

Se temos uma certeza nos dois hemisférios é a de que a desigualdade educacional será ampliada nesse período. A articulista do The New York Times Dana Goldstein listou três estudos interessantes sobre o impacto da epidemia do Covid-19 no desempenho dos 55 milhões de estudantes americanos. Nenhum deles nos dá notícias alvissareiras. O primeiro deles, do Annenberg Institute da Universidade de Brown, indica que os estudantes norte-americanos devem voltar às escolas em setembro com uma perda de aprendizagem da ordem de 30% em leitura e de 50% em
matemática.

Pesquisadores da Universidade Harvard e da Universidade Brown realizaram uma pesquisa para avaliar o efeito do uso de um software de matemática antes e depois da pandemia com 800 mil alunos. De janeiro a abril o desempenho dos estudantes de baixa renda caiu 50%, enquanto os de estudantes que vivem de comunidades de renda mais alta não tiveram alteração de desempenho. Já em junho a queda foi de 78% para os de baixa renda.

A consultoria McKinsey também produziu uma análise indicando que os estudantes “perderão” sete meses, com os estudantes negros e latinos perdendo em média 10 meses de aprendizado por causa do fechamento das escolas.

Por compreender os efeitos da pandemia na ampliação da desigualdade educacional, a cidade de Nova York decidiu não reprovar estudantes este ano. Aqueles com desempenho abaixo do esperado serão acompanhados e terão atividades de reforço nas férias e no próximo ano letivo. No Brasil, onde a desigualdade é ainda maior do que a americana, é urgente adotar medidas capazes de recuperar as aprendizagens dos estudantes. Se o dilema de um pai de classe média é dividir o computador que usa para trabalhar com o filho que realiza tarefas da escola, os mais pobres não têm sequer um espaço em casa para estudar.

É preciso coragem para flexibilizar o currículo, escolher aquilo que deve ser ensinado até o fim deste ano com qualidade, entender este ano letivo e o próximo como um ciclo e garantir que todos aprendam o esperado em dois anos letivos. Nossos estudantes não podem ser vítimas de uma prática cruel: o simulacro, um processo em que se finge que se ensina e se aprende.

No momento em que escrevo esse artigo chega a notícia de que Pequim cancelou a volta às aulas porque foram registradas transferências comunitárias de Covid-19 na cidade. O Brasil, onde a epidemia é mais grave que na China, está abrindo suas cidades.

Qual o melhor caminho no caso da educação? Começar pela educação infantil, para facilitar a volta ao trabalho das mães? Ou pelos maiores, onde o risco de transmissão é mais baixo? Usar o critério técnico ou o político Aprendemos algumas coisas nesta pandemia, como a capacidade de reinvenção e de entrega dos professores, que na maioria das vezes com recursos próprios têm se desdobrado para dar aulas ou elaborar materiais
para uso remoto. 

Nenhum profissional é hoje tão acompanhado quanto o professor. Com os filhos em casa, pais e responsáveis têm clareza de que a docência não é trabalho para amadores. Também aprendemos a necessidade de repensar a relação entre tecnologia e educação. O fetiche das salas de aula hiperconectadas deverá ser substituído pelo uso mais intensivo da tecnologia como suporte à aprendizagem e a uma mudança na organização das aulas, com menos tempo dedicado à transmissão de conhecimento e mais às atividades coletivas.

A fotografia que emerge na educação após 90 dias de isolamento não é bela. Mas nos dá a oportunidade de compreender o tamanho das nossas desigualdades educacionais e enfrentá-las. Basta eleger a redução dessas desigualdades educacionais como meta, em detrimento da compra de sistemas e aplicativos milagrosos.

* Alexandre Schneider é pesquisador visitante e professor adjunto da Universidade
Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da
FGV/SP, consultor e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

**Articulando esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do coletivo de educadores.

Publicado originalmente em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/06/coronavirus-teraefeito-
colateral-de-ampliar-desigualdade-na-educacao.shtml

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