Em meio aos debates sobre os desafios imediatos dos profissionais da educação escolar (professores e administrativos) e de suas entidades representativas, que tiveram lugar no X Conatee — Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), realizado nos dias 23, 24 e 25 de julho corrente, suscitaram-se dúvidas e questionamentos sobre trabalho remoto, tais como:
Trabalho remoto, teletrabalho e home office são sinônimos, ou encerram significados distintos?
Se são distintos, o que os distingue?
Se são distintos, a ardilosa regulamentação de teletrabalho, imposta pela Lei N. 13.467/2017, não alcança trabalho remoto e home office?
Dúvidas e controvérsias sobre seu significado, sua semelhança e suas diferenças são plenamente justificáveis e pertinentes, posto que são temas relativamente novos nas relações de trabalho brasileiras, sendo que a primeira norma heterônoma (lei) que os abordou foi a Lei N. 12.551/2011, por meio de alteração no Art. 6º da CLT, que passou a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 6° Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.
Colhem-se das disposições desse artigo importantes definições, garantias e orientações sobre como enfrentar o necessário debate sobre os referidos temas, destacando-se, dentre elas:
I são três os meios de cumprimento das obrigações contratuais, a saber: nas dependências da empresa ou local fixo por ela comandado; na residência do empregado (home office); e a distância, ou de forma remota, que é o teletrabalho;
II não importando em qual dos três meios acima se desenvolva o trabalho, desde que caracterizado vínculo de emprego, não há nenhuma distinção entre eles para efeito de definição de direitos e obrigações da empresa e dos empregados, inclusive no tocante às normas regulamentadoras (NRs) de saúde e segurança do trabalho. O parágrafo único do artigo sob destaque não deixa qualquer margem de dúvida sobre essas assertivas;
III o trabalho executado no domicílio do empregado — nomenclatura utilizada pela Lei N. 12.551/2011 —, não obstante se caracterizar como remoto, por não se desenvolver nas dependências da empresa, somente se enquadra como teletrabalho se demandar, para sua execução, a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, o que é regra para o trabalho remoto realizado pelos profissionais de educação escolar (professores e administrativos).
Assim sendo, para esses profissionais, o trabalho remoto se enquadra, sempre, na modalidade de teletrabalho.
Segundo os dicionários de Língua Portuguesa, dentre os significados do adjetivo remoto, importam, para o que aqui se discute: o que está distante no espaço; longínquo, afastado, distanciado.
O STF, na Resolução N. 621/2018, que regulamenta o teletrabalho para os seus servidores, utiliza o adjetivo remoto como gênero, que inclui teletrabalho e home office como espécies.
No Portal do TST, que foi o primeiro tribunal a adotar teletrabalho, encontra-se disponível documento com o título “Especial Teletrabalho: o trabalho onde você estiver”, que assenta:
“Atualmente, durante a quarta revolução industrial, a revolução tecnológica, o trabalho está passando por transformações novamente. Uma das novidades é a popularização do teletrabalho — o trabalho realizado longe da empresa.
O que é teletrabalho?
A previsão legal para o teletrabalho aparece no artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que afasta as distinções entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. O parágrafo único do dispositivo, introduzido em 2011, estabelece que ‘os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio’.
[…]
De acordo com o texto, embora o trabalho seja realizado remotamente, não há diferenças significativas em relação à proteção ao trabalhador. ‘Os direitos são os mesmos de um trabalhador normal. Ou seja, vai ter direito a carteira assinada, férias, 13º salário e depósitos de FGTS’, explica o ministro Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho (TST)”.
O arremedo de regulamentação de teletrabalho pela Lei N. 13.467/2017, com a inclusão dos Arts. 75-A a 75-E na CLT, além de colidir com o disposto no Art. 6º acima transcrito, tem por finalidade restringir direitos daqueles que se sujeitam a essa modalidade de cumprimento contratual, como se constata pela simples leitura desses.
O que dizem tais artigos
“Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo.
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.
Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
§ 1º Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.
§ 2º Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.
Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.
Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.
Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador”.
Como se não bastasse, essa maléfica lei acrescenta, ainda, inciso III ao Art. 62 da CLT, que exclui os trabalhadores em teletrabalho do controle de jornada, fazendo-o para prejudicá-los, é claro.
Ante essa constatação, não há meios e modos de se pleitear a regulamentação do teletrabalho, de forma decente e consentânea com os valores sociais do trabalho, sem se enfrentar esses maléficos dispositivos.
Esse tema foi objeto de regulamentação na Argentina, em 2020, pela Lei N. 27.555, de forma razoavelmente adequada — texto reproduzido ao fim deste artigo. Essa norma pode, perfeitamente, servir como balizadora de projeto lei que altere os citados artigos da CLT, de modo a preservar os direitos dos trabalhadores, sem arranhões e ardis, neles contidos.
Para se dar início ao debate sobre a aludida e necessária regulamentação, sem as mazelas dos transcritos artigos da CLT, eis algumas sugestões:
I o teletrabalho pode ser ajustado por meio de acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva, devendo, em qualquer dessas hipóteses, assegurar, no mínimo, as seguintes condições:
II igualdade de direitos com a modalidade presencial, como já disposto no Art. 6º da CLT;
III definição do local onde se dará o cumprimento das atividades de teletrabalho, se na residência do empregado ou em outro fornecido pela empresa;
IV estipulação do percentual da jornada a ser cumprido na modalidade remota e na presencial, caso haja;
V definição de critérios claros e objetivos para o retorno à atividade integralmente presencial;
VI garantia de que a empresa fornecerá toda a infraestrutura necessária para o desenvolvimento e a realização das atividades de teletrabalho, seja na residência do empregado ou em local por ela indicado; bem assim, que adotará os meios e modos para que equipamentos utilizados recebam permanente manutenção e atualização;
VII garantia de capacitação prévia do empregado para operação e manuseio das plataformas de trabalho remoto;
VIII garantia de reembolso mensal de energia, internet e de outras despesas correntes, caso as atividades de teletrabalho sejam realizadas na residência do empregado;
IX compromisso bilateral inarredável de que as atividades remotas serão realizadas exclusivamente durante a jornada de trabalho estabelecida no contrato de trabalho, sendo vedado: à empresa a exigência de qualquer atividade fora desse horário, computando-se como horas extras as que descumprirem essa determinado; e, ao empregado, postergar sua realização, de forma injustificada, e/ou não entregar seus resultados ao tempo e modo contratado;
X realização de controle eletrônico da jornada de trabalho, bem como das atividades nela desenvolvidas, com comprovante para a empresa e para o empregado, o que importará a revogação do inciso III do Art. 62 da CLT;
XI garantia de repouso ergométrico de 15 minutos a cada duas horas de trabalho remoto ao computador e/ou gravação e ministração de aulas, quando for o caso, computado na jornada de trabalho contratada;
XII fiel observância nas normas regulamentadoras (NRs) de segurança e medicina do trabalho;
XIII vedação à instituição de ensino de veiculação de aulas gravadas e/ou ministradas em tempo real para turmas diferentes e em horários distintos daqueles expressamente definidos no contrato de trabalho do professor, em cumprimento ao direito de voz, imagem e trabalho intelectual.
Ao debate!
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee
** Articulando esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do coletivo de educadores.
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