segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Sequestro de dados do Ministério da Saúde é sintoma de apagão que vive o governo*

Na última semana, o Ministério da Saúde afirmou ter sofrido duas tentativas de ataques hackers ― uma delas impossibilitou o acesso dos brasileiros à plataforma ConecteSUS e impediu o download de certificados de vacinação. O episódio demonstra a displicência com que os dados são tratados no Brasil, mas não é o único. A falta de cuidado com as informações objetivas e transparentes sobre o país tem impacto em muitas frentes, atingindo desde a formulação de políticas públicas até o combate à desinformação.

Um dos grandes exemplos é o Censo. De acordo com o calendário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pesquisa realizada de 10 em 10 anos deveria ter sido feita em 2020, mas sofreu atraso devido à pandemia e, apesar da promessa de ser viabilizada neste ano, acabou impossibilitada pela falta de destinação recursos. O principal raio-X do Brasil é fundamental para a realização de políticas públicas. Interrupções na série são uma economia pouco eficiente. 

Como mensurar investimentos em infraestrutura sem dados atualizados sobre os deslocamentos populacionais nos últimos anos? Ou como pensar políticas de inclusão, nacionais e locais, sem informações sobre pessoas com deficiência, por exemplo? Orçamentos públicos devem ser pautados em dados objetivos para que recursos não sejam investidos de forma errônea. 

Esse mesmo tipo de desmantelamento foi visto no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A autarquia federal é mais conhecida por gerenciar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mas sua importância não se resume a isso. Entre as atribuições do Inep estão o Censo da Educação (levantamento essencial para definir políticas educacionais nos estados e municípios) e a coordenação e aplicação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), indicador que avalia a efetividade e a evolução das políticas do segmento. 

Em um momento de pandemia, essas informações seriam fundamentais para compreender, por exemplo, a evasão escolar. Mas parte delas está com o lançamento atrasado, enquanto mais de três dezenas de servidores técnicos do instituto pediram demissão alegando sofrerem pressão política. Novamente, o impacto é aterrorizante. Em 2022, inicia-se a nova distribuição de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), com volumes maiores do que os habituais. Além disso, na nova legislação sobre o fundo, era previsto que o Inep criasse um novo indicador para avaliar o nível socioeconômico dos alunos, o que deveria pautar a distribuição dos recursos. Até agora, nada foi feito. 

E não para por aí. Durante todo o ano, o presidente Jair Bolsonaro e o então ministro Ricardo Salles fizeram uma série de críticas aos técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável pelos dados sobre desmatamento no país. Os funcionários chegaram a ser chamados de mentirosos, e as informações, apesar de retiradas de um banco de dados com metodologia técnica, transparente e internacionalmente respeitada e validada, foram tratadas como falsas.

Em longo prazo, a falta de informações confiáveis trava a evolução de políticas públicas, que, em novos mandatos, serão feitas sobre dados menos objetivos e transparentes. Sem informações corretas e atualizadas, a credibilidade do país é colocada em dúvida, o que piora ainda mais a já combalida imagem do Brasil no Exterior.

Em curto prazo, o apagão de dados dificulta a checagem de fatos. Estamos às vésperas de um ano eleitoral e informações que, até agora, estão envoltas em suspense e discussões pouco produtivas são essenciais para atestar a veracidade dos discursos de candidatos. O trabalho se torna mais difícil, mas não deixará de ser feito. Afinal, você precisa ter em suas mãos informação qualificada para tomar suas decisões na hora de votar. E, nisso, a Lupa vai ajudar você. Com ou sem apagão de dados. 

Um abraço,

Raphael Kapa. Coordenador de Educação da Lupa

Fonte: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/

* Articulando esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do coletivo de educadores.

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