segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

UERJ inclui curso com vídeo da Brasil Paralelo em treinamento obrigatório para servidores públicos


Conteúdo da produtora de extrema direita faz parte de uma das opções da capacitação necessária para progressão de carreira

Um vídeo da Brasil Paralelo, produtora de extrema direita conhecida por sua agenda ideológica conservadora e por distorcer consensos históricos e científicos, é parte de um dos cursos recomendados pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) na capacitação obrigatória a que os servidores públicos são submetidos para progressão de carreira.

O curso, intitulado “Administração Pública”, é oferecido pela Superintendência de Gestão de Pessoas em parceria com a Faculdade de Administração e Finanças. Entre os materiais apresentados aos servidores, há um vídeo da Brasil Paralelo em um módulo do curso que aborda o tema “patrimonialismo no Brasil”.

O material é um trecho de uma entrevista do cientista político capixaba Bruno Gargaschen, autor de livros como “O mínimo sobre conservadorismo”, “Marx e o Diabo” e “Pare de acreditar no governo”, todos eles com retórica alinhada ao discurso da extrema direita. Em pouco mais de quatro minutos, Gargaschen discorre de forma superficial sobre o conceito de patrimonialismo e sua aplicação no Brasil. 

O trecho incluído no treinamento dos servidores foi retirado de uma série audiovisual lançada pela Brasil Paralelo chamada “Brasil – A Última Cruzada”, que se dedica a reconstruir a imagem “heróica” dos grandes navegantes que chegaram ao Brasil no início do século XVI. “Descubra a História que a TV e a escola não contam”, cita o slogan da série.

No minuto final do vídeo de Gargaschen, que foi publicado originalmente no YouTube, há uma convocação para que a audiência – logo, também os servidores da UERJ – assine os serviços da Brasil Paralelo. “Sua assinatura é muito importante para a gente continuar crescendo”, diz um apresentador da produtora.

O conteúdo indicado de forma automática pelo YouTube depois da exibição do vídeo é mais um corte de outra entrevista de Gargaschen. Nela, o teor de extrema direita fica mais claro: o cientista político discute um “erro” por trás da frase “conversador nos costumes, liberal na economia”.

Na visão dele, o conservadorismo já pressupõe valores liberais na economia e a utilização do termo “liberal” no slogan utilizado pela direita brasileiro abre espaço para um tipo de liberdade incompatível com o conservadorismo. “A perspectiva de liberdade de um conservador é diferente da dos liberais”, afirma.

“Cada clique de um servidor gera dinheiro para eles”

“Fiquei estarrecido ao ver que um curso de uma universidade pública estava divulgando um material tão enviesado e ainda promovendo um site pago”, afirmou um servidor, que preferiu não se identificar temendo represálias. “Como o canal da Brasil Paralelo é monetizado [no Youtube], cada clique de um servidor gera dinheiro para eles”, observou.

A ação faz parte de uma estratégia da Brasil Paralelo para expandir sua influência em instituições educacionais e públicas. Uma investigação recente do Intercept Brasil revelou que a Brasil Paralelo tem ampliado sua atuação em escolas e ONGs por meio de parcerias financiadas por “mecenas”. O caso na UERJ agora traz à tona a inclusão dos conteúdos em instituições públicas.

O servidor ouvido pela reportagem afirmou que já fez uma reclamação formal à UERJ sobre o uso do material, mas nenhuma providência foi tomada. “É muito preocupante que, mesmo após alertas, a universidade não tenha retirado o conteúdo do curso. Isso vai contra tudo o que a UERJ representa como espaço público e laico”, disse.

Fonte: Intercept Brasil em 05/12/2024.

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