“O maior processo de perseguição do século 21". Foi assim que o jurista e professor afastado da USP Alysson Mascaro se referiu às nossas reportagens que revelaram as dezenas de acusações de estupro e assédio sexual que recaem contra ele.
Em uma longa entrevista ao dono do Brasil 247, Leonardo Attuch, Mascaro se comparou a Jesus Cristo, rompeu o silêncio de meses em que estava desde a publicação e fez com que alguns leitores e apoiadores do Intercept nos escrevessem pedindo um posicionamento.
A entrevista, assim como o posicionamento do Brasil 247, que detalharemos mais para frente, são repletos de mentiras, teorias conspiratórias e ataques que são passíveis de ação legal. Mas, por respeito a vocês, nossos leitores, consideramos importante deixar alguns pontos muito claros.
Antes de a gente começar, queria compartilhar novamente o texto em que explicamos como foi o processo de apuração da reportagem. A incansável repórter Laís Martins, acompanhada pelo editor Leandro Becker, entrevistou mais de uma dezena de pessoas – por vídeo e pessoalmente – apenas para a primeira matéria.
Os fatos narrados foram corroborados por outras evidências, como e-mails, prints e testemunhas. Ou seja, não se trata de ‘relatos anônimos’, como irresponsavelmente afirmam.
Além disso, é importante deixar claro que relatos de assédio circulavam há muito tempo, desde muito antes da nossa publicação – basta ler as centenas de comentários nos posts das reportagens nas redes sociais. Portanto, também não é verdade que nós começamos um processo de "cancelamento".
Mascaro tenta sugerir que todas as acusações foram um tipo de complô, a obra de uma única pessoa que, por motivos políticos e ideológicos, planejou sua destruição.
Na verdade, nossas investigações descobriram que dezenas de pessoas, espalhadas por vários estados, que compartilham e admiram profundamente as convicções políticas de Mascaro, relatam um padrão consistente de abuso. Muitas delas não sabiam dos outros casos, não tinham nenhum tipo de contato anterior entre si e foram contatadas por nós de forma independente.
O que o Intercept fez foi investigar. Como deveria fazer qualquer outro veículo que esteja verdadeiramente preocupado com direitos humanos, ou com “quem apanha”, como o próprio Mascaro diz. E fizemos isso seguindo os princípios mais rigorosos de jornalismo.
Nós entendemos a gravidade das denúncias e foi por isso que essa série passou por uma equipe de editores e checagem externa, ou seja, conferência minuciosa de cada linha do texto e das provas, em um processo extremamente cuidadoso.
Ainda com a consistência dos relatos, tomar a decisão de publicar uma investigação como essa não é fácil. Sabíamos que os ataques viriam – embora eu confesse que muitos de nós ficamos surpresos com a ferocidade e o baixo nível das calúnias, especialmente do 247.
Essa foi uma das principais razões pelas quais nenhuma das pessoas é identificada na reportagem. Todo detalhe, aliás, que pudesse facilitar a identificação delas foi removido – porque temiam represálias.
Todos sabíamos que viria uma onda de tentativas desesperadas de desqualificação, tanto do Intercept quanto das vítimas. Mas a apuração estava tão consistente que, após a primeira reportagem, mais de 40 outras pessoas surgiram com relatos semelhantes.
Então, nós publicamos outra reportagem, seguindo os mesmos cuidados e divulgando áudios, com outros nove homens que têm relatos semelhantes, corroborados por evidências, de que foram assediados por Mascaro.
Alysson Mascaro foi contatado antes da publicação das duas reportagens – diferente do que ele e sua assessoria de comunicação, papel desempenhado pelo Brasil 247, têm dito. Mandamos e-mails muito detalhados pedindo contraponto em todas as histórias que narramos. Ele se limitou a dizer que estava sendo vítima de uma campanha orquestrada, resposta que foi incluída no texto.
E é essa mesma narrativa que segue publicamente em sua campanha para construir uma contranarrativa que tenta desviar a atenção do conteúdo das acusações e descaracterizar a situação.
Na entrevista ao 247, Mascaro diz que nós fazemos o “pior tipo de jornalismo já produzido na história da humanidade” e cometemos “o caso Escola Base do século 21”, se referindo ao caso de 1994 que virou um marco sobre irresponsabilidade jornalística no Brasil ao acusar donos de escola injustamente de abuso sexual.
Leonardo Attuch, do 247, foi igualmente desequilibrado: declarou em uma live que nossos jornalistas são “bandidos” e que o nosso jornalismo é criminoso. Não vou comentar o teor ofensivo dos ataques porque estamos estudando as medidas judiciais contra eles – só vou lembrar que difamação é crime, jornalismo não.
Por meio do Brasil 247, Mascaro também tenta desvirtuar o foco ao dizer que o Intercept o “atacou” porque é um veículo estadunidense que estaria a serviço do neoliberalismo, na sua visão. "O imperialismo me atacou porque quer destruir a intelectualidade crítica no Brasil", declarou Mascaro. Attuch também compartilhou essa ideia em vários momentos desde dezembro.
Essa posição conspiracionista não tem respaldo nenhum na realidade. Primeiro, porque é factualmente errada: nós somos completamente independentes do Intercept dos EUA desde 2022.
Segundo: qualquer um que nos leia sabe que é risível sugerir que o Intercept Brasil – o site que nasceu dos vazamentos de Snowden, a maior denúncia já feita sobre a vigilância em massa dos EUA; que, na Vaza Jato, ganhou o prêmio Vladimir Herzog por revelar detalhes da relação secreta entre a Lava Jato e o governo dos EUA; e que publica regularmente reportagens expondo as guerras imperialistas dos EUA e seu papel no genocídio em Gaza – é, na verdade, parte daquilo que mais denuncia.
Nosso trabalho fala mais alto do que suas calúnias vazias.
E terceiro, porque os fatos foram revelados pelo Intercept, sim. Mas também já foram investigados e corroborados por muitas outras instituições de forma totalmente independente.
A USP abriu um procedimento preliminar de investigação imediatamente após a publicação a pedido de grupos que representam as estudantes da faculdade. A investigação avançou – e apontou que há “fortes indícios de materialidade” nas denúncias. Alysson Mascaro foi afastado. Outros veículos também fizeram reportagens ouvindo outras pessoas com relatos semelhantes sobre o professor – como Folha, G1 e Record.
A investigação segue na USP. E Mascaro, ainda afastado, precisa apelar para tentar se defender. É uma tentativa desesperada, mas inteligente, de mobilizar a opinião de quem se sensibiliza com suas palavras e sua história. Só que é mentirosa.
Em todas as instâncias em que os fatos foram analisados até agora, os indícios têm sido ruins para a narrativa de Mascaro. É por isso que ele, auxiliado pelo 247, tem dedicado tanta energia para nos atacar, a fim de destruir nossa reputação e se proteger quando surgirem más notícias no futuro.
É a mesma estratégia usada por Bolsonaro e Trump em seus constantes ataques à imprensa. Mas não vai conseguir nos intimidar.
Seguimos firmes no mesmo propósito de investigar injustiças independentemente de onde elas estejam. Nós entendemos que, ao investigar alguém identificado à esquerda, corremos o risco de decepcionar muitos aliados. Mas a nossa missão é revelar abusos cometidos pelos poderosos. Nosso objetivo é defender a sociedade, e as vítimas, não nossos amiguinhos — o que significa que temos que seguir os fatos. Sempre.
Não é “processo de perseguição” – muito menos o maior do século 21. É investigação jornalística, o que fazemos de melhor. Agora, continuamos esperando que os fatos sejam devidamente apurados nas esferas corretas.
E seguimos com nossa equipe incansável investigando fatos muitas vezes incômodos – mas que precisam vir à tona.
Infelizmente, uma meia dúzia dos nossos apoiadores questionou se deveria continuar a nos apoiar depois das calúnias do 247. O número foi baixo, mas ainda assim lamentamos porque cada apoiador importa.
O mais importante é que qualquer pressão jamais nos levará a abrir mão das nossas responsabilidades éticas. Em situações como essas, esperamos que, para cada apoiador que sai, dois se juntem a nós.
Fonte: Intercept Brasil em 03/05/2025.
** Articulando esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do coletivo de educadores.