Em
comparação com países que obtêm bons resultados na Educação, o Brasil
comete um grave erro ao ser pouco claro na definição do currículo da
Educação
básica. Este equívoco é agravado pelo fato de que, por aqui,
orientações pouco claras sobre o que e como ensinar acabam caindo nas
mãos de Professores muitas vezes mal formados, mas com autonomia total
para escolher como trabalhar conteúdos em sala de aula.
Este
é o diagnóstico de Paula Louzano, Professora da USP e doutora em
Educação pela Universidade de Harvard, que apresentou há dez dias, no
Conselho
Nacional de Educação, um estudo comparativo sobre a organização do
currículo brasileiro e a de outros oito países: Austrália, Cuba, Chile,
Estados Unidos, Finlândia, Portugal, México e Nova Zelândia.
O que distingue o currículo brasileiro daqueles dos países que você pesquisou?
É
o grau de especificação pelo governo (nacional, estadual ou municipal)
do que deve ser ensinado em comparação com o que é definido pelo
Professor
ou pelas Escolas. No âmbito internacional, os países que outorgam maior
autonomia a seus Professores e Escolas são Finlândia e Nova Zelândia. E
estes países especificam muito mais o que deve ser ensinado em sala de
aula em seus documentos nacionais do que
nós fazemos. É verdade que no Brasil alguns estados e municípios
definem o que deve ser ensinado em suas orientações curriculares, mas
este não é um esforço nacional, e portanto depende da capacidade técnica
e dos recursos disponíveis em cada ente federado.
Isso gera desigualdade, já que os estados e municípios maiores e mais
ricos foram justamente os que conseguiram realizar esta tarefa. Além
disso, a nossa legislação determina que devemos ter uma base curricular
comum a nível nacional, e este modelo de especificação
do currículo pelos entes federados não necessariamente representa isso.
O
país com melhores resultados na Educação no mundo é a Finlândia. E, lá,
Professores e Escolas têm alto grau de autonomia na hora de elaborar o
plano
de aula. Por que lá dá certo e aqui não?
Sim,
é fato que a Finlândia é o país que outorga maior autonomia a seus
Professores e Escolas. No entanto, se nos atemos à legislação vigente,
há
no geral mais autonomia curricular no Brasil que na Finlândia. Nossas
diretrizes curriculares nacionais não definem o que deve ser ensinado
com o nível de especificação do currículo nacional finlandês. Além
disso, o currículo nacional finlandês estabelece
o que é considerado um desempenho adequado no final de cada ano, em
cada uma das disciplinas. Com esta informação, o Professor avalia o
desempenho de seus Alunos, e por isso não há avaliação externa lá. O
Professor avalia o Aluno, mas o critério é comum.
Vale
lembrar que há 20 anos a Finlândia especificava muito mais seu
currículo centralmente, e portanto dava menos autonomia aos Professores.
Naquele
momento, o país decidiu que queria investir na construção desta
autonomia Docente e o fez progressivamente, aumentando o rigor e a
qualidade dos cursos de formação inicial de Professores e,
simultaneamente, diminuindo a especificação curricular e colocando
a avaliação na mão do Docente. Para ser Professor na Finlândia, hoje, é
necessário um curso de nove mil horas, com sete anos de duração, sendo
que um terço delas corresponde a uma espécie de residência pedagógica: o
futuro Professor estagia em uma Escola onde
um Professor tutor se responsabiliza junto com a universidade por sua
formação.
O Brasil especifica pouco seu currículo e forma muito mal seus
Professores - hoje 30% das matrículas nos cursos de formação de
Professores são à distância -, ou seja, esperamos que Professores mal
formados, que muitas vezes têm pouco domínio do conteúdo ser
ensinado, tenham autonomia total.
Na
América Latina, Chile e Cuba são os mais citados como modelos na
Educação. Como é o currículo nestes países e em que eles diferem do
Brasil?
O
Chile especifica o que deve ser ensinado a nível nacional e deixa pouco
ou quase nenhum espaço para a Escola. No entanto, não especifica
centralmente
como ensinar. Esta é uma decisão dos Professores e das Escolas.
Em
Cuba, o governo define e especifica em detalhes o que e como se deve
ensinar em cada uma das disciplinas, incluindo a sequência em que os
conteúdos
são apresentados e o tempo dedicado a cada um deles.
Estes
dois países são unitários, o que deve ser levado em conta, já que o
Brasil é federativo. Não digo que isto impede definições nacionais.
Austrália,
México e Estados Unidos, também federativos, fizeram especificações
curriculares nacionais. Mas, nestes países, a especificação tende a ser
menor: há mais espaço para outras instâncias intermediárias, como
estados e municípios, intervirem.
Você
acha que seria adaptável ao Brasil este modelo existente em alguns
países, como Cuba, em que os documentos de orientação aos Professores
não
apenas dizem o que ensinar, mas como ensinar?
Não
acredito neste modelo de controle total do trabalho Docente nem que ele
caiba no nosso país. Isto não quer dizer que o que temos seja
suficiente.
Devemos
nos aproximar do modelo de países como Finlândia, Nova Zelândia e
Austrália, ou mesmo Estados Unidos, onde há uma especificação nacional
sobre
o que ensinar, mas que é flexível e deixa espaço para a diversidade de
métodos e caminhos. Por exemplo, a Finlândia determina que o Aluno no
final do segundo ano deve saber frações simples como metade, um terço e
um quarto. Como o Professor ensina isso e quando
é uma decisão dele.
Mas é importante frisar que estamos longe disso, já que nossas diretrizes curriculares nacionais não fazem nem isso.
A reforma curricular teria impactos imediatos na qualidade do Ensino ou
seria preciso esperar uma geração de Professores formados a partir de
uma nova base para colher os frutos?
O
currículo por si não garante a melhoria da qualidade da Educação, e sua
definição não vai trazer impacto imediato se não vier acompanhada de
sua
implementação, o que envolve capacitação dos Professores para
implementá-lo.
Este
tem sido o problema nos Estados Unidos. O Common Core (currículo base)
estabeleceu habilidades pouco trabalhadas pelos Professores antes de sua
adoção - como, por exemplo, a complexidade textual. Os profissionais
não estavam preparados para ensinar esta habilidade, e não havia
material didático. Isto tem dificultado a implementação deste novo
currículo. Por melhor que seja um currículo, sem a sua
implementação na sala de aula ele não vale nada. Segundo Michael Fullan
(pesquisador em Educação da Universidade de Toronto), 25% do sucesso de
uma reforma dependem da sua aprovação ou desenho e 75%, de sua
implementação.
Apesar
de não garantir a melhoria, o currículo é uma base fundamental e um
norte para as demais políticas, como a avaliação, os materiais didáticos
e a formação dos Professores. Como avaliamos nossos Alunos com uma
prova padronizada se não temos currículo? Isso é um contrassenso e
explica por que a avaliação tem se transformado em currículo no Brasil.
No
caso brasileiro, já que somos uma federação com tanta diversidade
regional e cultural, faz sentido exigir um currículo mínimo para todas
as Escolas?
Sim,
por um tema de equidade e igualdade de oportunidades. Não é possível
que alguns brasileiros tenham acesso a um conjunto de conhecimentos
acumulados
pela sociedade e outros não. E que o local, a família e o grupo social
em que uma criança nasça determinem o tipo de conhecimento a que ela vai
ter acesso. A diminuição das desigualdades é a força motriz por trás
desta política na maioria dos países, e deveria
ser ainda mais forte aqui no Brasil, já que somos um dos países mais
desiguais do mundo.
9
mil horas, ou sete anos, é o tempo de estudo necessário para um
finlandês se tornar Professor. Um terço deste período corresponde a uma
residência
pedagógica: o futuro Docente estagia numa Escola.
Fonte: Jornal O Globo, em 15/7/2013.
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