Nos próximos meses, o Brasil definirá uma Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), um documento com os conteúdos mínimos que os estudantes devem
aprender a cada ano na escola, da educação infantil ao ensino médio.
Para alguns especialistas, é a chance de focar na qualidade e, de fato,
mudar a educação brasileira. Outros questionam a efetividade do
documento e acreditam que ele nunca sairá do papel.
A especialista Ilona Becskeházy diz que o país precisa de uma Base
Curricular que busque maior equidade entre as regiões e excelência
acadêmica Divulgação Instituto Alfa e Beto
A Agência Brasil
conversou sobre o assunto com Ilona Becskeházy, que atua desde 1996 no
desenho e na implementação de projetos de educação.
A
especialista defende que o Brasil precisa de uma Base, mas critica o
documento atual, que está disponível para consulta pública. Para a
especialista, o documento é "capaz de confundir e desorganizar o que já
não é bom". Segundo Ilona, que é mestre em educação pela Pontifícia
Universidade Católica (PUC) do Rio e foi diretora executiva da Fundação
Lemann (organização que busca projetos inovadores em educação), cabe ao
Ministério da Educação (MEC) tomar decisões e liderar o processo de
consolidação de uma Base que atenda aos interesses do país.
O
documento atual é preliminar e foi elaborado por um grupo de
especialistas, que incluía professores tanto do ensino superior quanto
do básico. Embora não seja autor da Base, cabe ao MEC coordenar o
processo até a elaboração de um documento final.
Ilona critica a
amplitude da consulta pública e diz que o processo pode levar a um
compilado de contribuições não qualificadas. O MEC afirma que a intenção
é que um debate com muitos grupos e especialistas seja capaz de
melhorar o documento. A pasta garante que as incorporações das sugestões
ao documento serão feitas com critério.
Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista concedida pela especialista à Agência Brasil:
Agência Brasil: Por que o Brasil precisa de uma Base Nacional Comum Curricular?
Ilona Becskeházy: Em primeiro lugar, para permitir maior equidade entre
as regiões, os estados e as redes de ensino, inclusive entre as
privadas e públicas. Além disso, se a Base for ambiciosa, poderemos
finalmente começar a incutir uma mentalidade de excelência acadêmica na
população. Seria muito bom para nosso futuro.
Agência Brasil: O que deve ser definido pela base?
Ilona: As habilidades que devem ser aprendidas pelos alunos a cada ano,
em cada disciplina, começando pela língua portuguesa e pela matemática.
Agência Brasil: Por que a definição clara dessas duas disciplinas é fundamental?
Ilona: As duas disciplinas foram percebidas ao longo do tempo como
sendo essenciais para compreender e interagir no mundo atual. Essas
disciplinas são linguagens que mobilizam habilidades cognitivas
fundamentais para captar, processar e interagir na vida em comunidade,
trabalhar, fruir possibilidades. São duas linguagens diferentes que
fornecem as principais ferramentas de leitura e compreensão autônoma,
inclusive para as demais disciplinas, de tal forma que o ser humano
possa continuar a aprender assuntos cada vez mais complexos durante toda
a vida. Outras disciplinas derivam dessas linguagens. E as linguagens
como música e arte, embora muito interessantes, não mobilizam as
estruturas cognitivas necessárias ao aprendizado sistemático.
Agência Brasil: O documento atual é capaz de nortear a educação brasileira?
Ilona: O documento atual é capaz apenas de confundir e desorganizar ainda mais o que já não é bom.
Agência Brasil: O que, na sua opinião, precisa ser mudado para que a Base funcione?
Ilona: A estrutura do documento é parte importante de sua capacidade de
comunicação. É como o desenho de um mapa. Cada conceito ou forma de
mostrar as expectativas deve ser apresentado de maneira coerente e com
uma linguagem bem simples e clara, para não dar espaço a muitas dúvidas
ou ambiguidades. As expectativas devem ser verbalizadas dentro de um
formato bem sistemático para permitir seguir a progressão sem se perder e
também devem apresentar alguma ambição acadêmica. O que foi apresentado
não tem nenhuma dessas características.
Agência Brasil: O MEC
já sinalizou que deverão ser feitas mudanças para trazer mais clareza,
mais objetividade e tornar mais fluida a transição entre as etapas de
ensino. Tratou de mudanças em história e também em língua portuguesa,
como você defendeu. Que cuidados são necessários ao buscar essas
mudanças?
Ilona: Clareza, coerência, ambição acadêmica, ou rigor, e
progressão das expectativas são as palavras de ordem. Algumas delas
apareceram no documento do MEC que anuncia as adequações, mas outras
não. Gostaria de estar otimista, mas não estou.
Agência Brasil: O que se espera do MEC nessa etapa de consolidação de um segundo documento?
Ilona: A capacidade de tomar decisões para atender aos interesses do país, e não de grupos de interesse corporativo.
Agência Brasil: Que grupos são esses?
Ilona: Quando se vai às escolas e redes de ensino e se conversa sobre
currículo com os profissionais de sala de aula, é óbvia e gritante a
necessidade e o desejo de ter uma ferramenta curricular à mão, para
guiar o planejamento e o monitoramento do trabalho docente. Os grupos
que não gostam de currículos explícitos são constituídos por parte dos
acadêmicos de educação, aqueles das faculdades de educação, que se
interessam muito pouco pelo que acontece em sala de aula e que temem uma
renovação dos cursos de formação docente a partir do novo currículo,
uma decorrência óbvia. Além disso, há os sindicalistas mais radicais,
que temem que um currículo explícito forme uma nova base para pautar e
avaliar a carreira docente, outra decorrência óbvia de um bom currículo.
Quando se desenha um currículo novo ou se faz uma revisão de um
existente, é obvio que os professores, os acadêmicos e sindicalistas
devem ser ouvidos. Mas há alguém com autoridade legal que faz a
filtragem final, usando como critério estratégico principal o interesse
dos alunos e do país.
Agência Brasil: As consultas públicas contribuem para uma Base melhor?
Ilona: Não contribuem se não forem qualificadas. Um processo de
construção curricular responsável começa com um documento sólido, que
pode ser apenas marginalmente aprimorado em um processo politico de
validação pública. Construir publicamente um documento dessa importância
é o mesmo que pedir à população para desenhar as políticas de combate a
doenças crônicas.
Agência Brasil: Com base nas suas análises
de currículos estaduais e municipais, acredita que a Base será capaz de
melhorar a educação?
Ilona: Hoje, não. Hoje, meu conselho para o MEC é usar o currículo do Acre.
Agência Brasil: Por que? Quais pontos do currículo do Acre podem ser aplicados nacionalmente?
Ilona: Principalmente a estrutura de apresentação dos objetivos,
conteúdos, das sugestões de atividades e de formas de avaliação, além da
linguagem simples e direta, com foco em realmente descrever uma
habilidade a ser aprendida por cada aluno. Acho que o currículo do Acre
não conseguiu ter uma descrição boa do detalhamento das habilidades, mas
em relação aos objetivos gerais de cada ano dá para ter uma boa noção
do que deve ser ensinado.
Agência Brasil: É possível chegar a uma boa Base?
Ilona: Espero que sim. Depende de as lideranças do MEC tomarem as
decisões certas e usarem as referências mais atualizadas do setor nos
países desenvolvidos.
Fonte: Agência Brasil, em 15/3/2016.
Quando nosso referencial pra pensar a redução das desigualdades vem de diversos artigos defendidos por instituições privadas, que tem assumido protagonismo em diversas secretarias de propostas pedagógicas, fico assustada!!! Não tenho tanta certeza de que uma BNCC possibilita a redução de desigualdades ou se ajuda no apagamento das diferenças... Enfim, quero poder suspeitar dessas entidades influenciando a produção de políticas públicas e suspeitar de uma Base nacional...
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