Para a Procuradoria-Geral da República, a medida provisória da reforma
do ensino médio é inconstitucional na forma e no conteúdo. Na forma,
porque há demonstrações concretas sobre a falta de urgência na aprovação
das alterações nas leis sobre ensino. No conteúdo, porque a MP agride
diversas garantias e mandamentos constitucionais relacionados ao ensino,
como o princípio da igualdade, o direito à cidadania na escola e o
direito à cultura na escola.
Para Janot, acabar com a obrigatoriedade de disciplinas como Filosofia e Sociologia viola o direito constitucional à cidadania.
A opinião é do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e está em
parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal em ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada pelo Psol contra a medida provisória. O
relator é o ministro Luiz Edson Fachin, que deu à ação o rito abreviado
previsto na Lei das ADIs. Em contrapartida, ele decidiu não conceder a
medida cautelar pedida pelo partido.
Na ação, o Psol afirma que a
medida ofende os objetivos constitucionais de redução das
desigualdades, o direito fundamental à educação, além de contrariar o
padrão constitucional da qualidade do ensino. Para o ministro Fachin,
"aqui se está diante de ato normativo primário (medida provisória) que
toca o âmago de nossa Constituição e da Democracia Constitucional por
ela pressuposta".
Para Janot, a medida é inteiramente
inconstitucional. Ele só concorda com a relevância da matéria de que ela
trata, mas discorda da urgência. Prova da falta de urgência, escreve o
PGR, é que as mudanças propostas pela medida provisória só passarão a
valer dois anos depois de sua edição ou dois anos depois de sua
aprovação pelo Congresso.
Direito à cidadania
A medida
provisória criou o que o governo chamou de Base Nacional Curricular e
mudou totalmente o currículo do ensino médio público. Foram dispensadas
algumas disciplinas, como Filosofia, Sociologia, Artes e Educação
Física. Na opinião de Janot, todas essas mudanças são inconstitucionais.
Filosofia e Sociologia, por exemplo, diz o procurador-geral, "são
ferramentas de grande importância na formação de estudantes que têm o
direito individual de encerrar o ensino médio não apenas com habilidades
mínimas, mas capazes de atividades mais complexas como compreender o
mundo e a realidade mais próxima que o cerca, interpretar ideias e fatos
da vida, criticar, manifestar-se etc.".
O mesmo ele diz sobre a
supressão do ensino de Artes como matéria obrigatória para o ensino
médio. "Arte e cultura são dimensões fundamentais para o pleno
desenvolvimento humano, na medida em que aprimoram capacidades
importantes como empatia, crítica, pensamento criativo e sensibilidade."
Para Janot, acabar com a obrigatoriedade dessas disciplinas viola o
direito constitucional à cidadania. O artigo 205 da Constituição
Federal, argumenta o PGR, diz que a educação deve preparar o indivíduo
para o exercício da cidadania. Por isso, "conteúdos precisam ser amplos o
suficiente para formar cidadãos".
"Ainda que se compreenda
cidadania apenas como detenção de direitos políticos", diz Janot,
"habilidades mínimas (interpretação de texto e raciocínio lógico) são
insuficientes para compreender todas as realidades éticas, políticas,
jurídicas, sociais e econômicas envolvidas, por exemplo, no exercício do
sufrágio, atividade essencial ao regime democrático".
Ensino noturno
A medida provisória cria uma prioridade de investimento no ensino médio
integral. Ao fazer isso, argumenta o Psol no pedido, a medida
provisória deixou de prever o ensino público noturno. E, para Janot,
essa construção é inconstitucional.
O artigo 206, inciso I,
define a igualdade de condições para acesso e permanência na escola como
um dos princípios do ensino. Já o artigo 208, inciso VI, fala
expressamente na oferta de ensino noturno gratuito.
No parecer,
Janot afirma ainda que, em 2015, o Brasil tinha 7,2 milhões de alunos
matriculados no ensino médio. Desses, 67% estudavam no período diurno, e
33%, no noturno. Ou seja, em 2015, havia 2,3 milhões de pessoas
estudando à noite no Brasil.
"Ao não prever oferta de ensino
médio (EM) noturno e, pelo contrário, ao enfatizar a prioridade, como
política pública de fomento, de escolas de tempo integral (art. 5º), a
medida provisória desatende comandos constitucionais e agrava o
desamparo de milhões de estudantes de todo o País", conclui o parecer.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 20 de dezembro de 2016, 15h38.
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