sábado, 1 de setembro de 2018

O tempo dos terceirizados, por Ângelo Cavalcante*


Um dos novos e principais desafios das ciências sociais a partir de agora será a efetiva categorização do termo "terceirização". Mas já imagino o contorcionismo de pesquisadores do trabalho para a tradução dessa "novidade" que trágica e melancolicamente, veio para ficar nas relações de trabalho, nos processos de produção e no cotidiano da vida social. 

Vamos que vamos... Erra feio aquele que pensa que essa engenhosidade jurídico-normativa, aprovada e legitimada no dia de ontem, 30 de agosto, pelo "guardião da Constituição" o Supremo Tribunal Federal (STF) diga respeito somente aos contratos e processos de consecução do trabalho em fábricas, indústrias, empreendimentos e plantas produtivas.

Muito mais grave... O desmantelo do mundo do trabalho é a desarrumação da vida nacional. Quero dizer, é mais desarrumação ainda... Não basta termos um dos mais baixos e insidiosos salários de toda a América Latina; é bem pouco a enxurrada de acidentes de trabalho que mata, mutila e adoece milhões de trabalhadores brasileiros ao ano. Também não entra na equação do jurídico a incapacidade estatal de acompanhamento e fiscalização do trabalho desempenhado na produção em todo o país, não por acaso, somos um dos principais países nos ditos 'trabalhos análogos ao escravo' (favor conferir os estudos de Leonardo Sakamoto acerca da "nova escravidão" brasileira. Recordemos do caso clássico dos bolivianos escravizados no coração de São Paulo e que, sinceramente, já nos é notícia velha).

Dito isso é imperativo o registro de que a refundação do trabalho a partir da elevação da terceirização ao status de principal instituto de mediação social, política e econômica é o disposto que, a partir de agora, irá alterar estruturalmente toda a alquimia produtiva da economia brasileira; é como se a 'humano-mecânica' que transforma a "coisa" em produto, em mercadoria ganhasse nova rítmica produtiva; uma circularidade notavelmente original e que atinge todos os níveis, estratos e dimensões da esfera da produção até atingir o âmago do produto, da coisa feita.

A alteração será física posto que o "fantástico mundo dos terceirizados" será, isto sim, a 'anima' que irá produzir/reproduzir/atualizar toda a produção material de que nossas vidas necessitam mas será, também e, sobretudo, 'não-física', imaterial e simbólica. Seremos atualizados e embevecidos por formas novas de escravidão, de submissão do trabalho e dos fazeres humanos às leis de aço e de sangue de um capitalismo que se agiganta feroz, impiedoso e sedento por carne humana.

Não estamos tratando de contratos flexíveis e rebaixados a envolver o 'topos' do trabalho no capitalismo contemporâneo; se trata das condições objetivas e que envolve a própria reprodução do trabalhador brasileiro. A respeito dessa reprodução vale a pena o resgate histórico mínimo acerca das lutas do trabalho pela conquista de direitos sociais básicos e elementares para retirar o labor de um submundo medonho e degradante. O pouco conquistado, se não sabem, fora fruto de muita, mas muita luta e organização política.

Sem mais... A precarização é a retomada do passado; é a reatualização de novas feitorias; é a marcha da civilização do Brasil "para trás"; para bem detrás de um sonho de país e que inspirou gerações inteiras de grandes brasileiros em favor de um futuro de justiça e igualdade.

A absurda e criminosa aprovação da 'terceirização infinita' pelo STF é marco definitivo na história das lutas e resistências dos trabalhadores brasileiros. O dia de ontem entra na seara político-formativa dos brasileiros como data especial. Está no mesmo nível de importância, por exemplo, do 'oito de março', do 'primeiro de maio' ou do 'vinte e um de abril'. É definitivo 'divisor de águas' para os trabalhadores brasileiros e tudo muda a partir de agora.

Perdemos essa virada histórica, mas não estamos mortos. Como lembra aquele filme, ‘das entranhas e do lodo da matrix’ saudamos aos que tem coragem: "Sejam bem-vindos ao deserto do real!".

Voltaremos... 


* Ângelo Cavalcante é economista e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Campus Itumbiara.

** Articulando esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do coletivo de educadores.


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