terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Ministério 'acusa' escola de Resende de expor alunos a conceitos comunistas*

Professores da rede pública de ensino da cidade fluminense de Resende estão apreensivos depois que o diretor de um colégio local recebeu intimação da polícia para responder a uma denúncia enviada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Um "relato de ocorrência" da pasta comandada por Damares Alves informa que alunos do Colégio Municipal Getúlio Vargas estariam sendo expostos a "conceitos comunistas", onde professores estão "induzindo sua ideologia política, além de pregar ensinamentos de ideologias de gênero".

O diretor da escola, Paulo Henrique Nogueira, recebeu a intimação no dia 18 de novembro e prestou depoimento à Polícia Civil quatro dias depois. "A denúncia distorce o conteúdo que é ensinado na escola, sobre materialismo científico, sobre sexualidade. Isso faz parte do currículo das áreas de Humanas e Ciências da Natureza", disse à coluna Marcelo Klein, que é professor de História na escola.

Resende é considerada uma cidade de comportamento conservador, onde residem muitos militares. É ali que se localiza a Academia Militar de Agulhas Negras (Aman), centro responsável pela formação de oficiais que chegam à cúpula do Exército. O presidente Jair Bolsonaro foi aluno da Aman.

"Mesmo sendo uma cidade conservadora, nunca vimos nada parecido", garante Claudia Luiza de Oliveira, presidente da Associação dos Profissionais da Educação Municipal de Resende. "Isso fere a liberdade de cátedra".

O documento do MMFDH é baseado em denúncia anônima. "Denunciante informa que Escola Municipal Getúlio Vargas está expondo os adolescentes aos conceitos comunistas, induzindo sua ideologia política. Além de também pregar ensinamentos de ideologia de gênero. Denunciante alega que a responsabilidade de direcionar a conduta dos jovens pertence unicamente aos pais e não à escola", diz o texto, que não cita o nome de nenhum professor.

A coluna entrou em contato com o ministério para pedir esclarecimento sobre o "relato de ocorrência", lembrando que interferências pedagógicas desse tipo, preconizadas pelo movimento "Escola Sem Partido", foram proibidas pelo Supremo Tribunal Federal, que em agosto do ano passado o considerou inconstitucional.

A resposta da assessoria de imprensa, porém, foi evasiva. "As denúncias registradas pelas centrais Disque 100 e Ligue 180, canais da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, são sigilosas. Portanto, não podemos prestar qualquer informação, nem se a denúncia foi registrada ou não".

Da parte da Prefeitura de Resende, que também foi procurada, a informação passada pela secretaria municipal de Educação é que "o diretor do colégio Getúlio Vargas recebeu uma intimação da delegacia de Polícia Civil da cidade, para prestar esclarecimentos sobre uma denúncia anônima", que afirmaria um suposto "ensinamento de conceitos comunistas". O diretor informou ao delegado que a denúncia não procede".

A coluna também pediu informações à Polícia Civil sobre o procedimento iniciado com a "denúncia" do ministério de Damares Alves, mas ainda não recebeu resposta.

O professor Klein destacou que esse tipo de denúncia parte de premissa equivocada. "Nossa ideia é levar ao aluno o que a ciência produz e deve ser compartilhado com todos", diz ele. "O pensamento marxista é um dos pensamentos que a gente trabalha, ao lado do pensamento liberal. Trabalhamos a experiência da União Soviética, assim como as experiências do capitalismo na Inglaterra e nos Estados Unidos".

O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro planeja fazer nos próximos um ato de repúdio à iniciativa do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Fonte: Coluna do Chico Alves* no uol.com.br em 01/12/2021.

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