O gosto pelo balé une meninos e meninas na Escola Estadual de Dança
Maria Olenewa, do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, vinculado à
Secretaria de Estado de Cultura. Esse gosto junta também meninos e
meninas de diferentes faixas de renda. Enquanto alguns já fizeram aulas
em escolas particulares, outros frequentaram projetos em comunidades e
tem ainda os que nunca estudaram balé.
Conseguir uma vaga
naquela que é considerada a principal escola de dança do Rio, fundada em
1927, transforma-se em uma disputa acirrada. A procura é grande e é
preciso passar por uma seleção rígida para verificar o potencial da
criança ou do adolescente para a dança. E é justamente essa capacidade
que faz alguns levarem vantagem na escolha.
Sinthia Liz, que
mora no centro do Rio, entrou para a escola com 8 anos e nunca tinha
passado por uma aula de dança. "A minha história é engraçada. Eu andava
meio corcunda quando tinha 5 anos, minha mãe ficou preocupada e me levou
ao médico, que disse que seria bom me botar no baé para corrigir a
postura." Hoje com 17 anos, Sinthia afirma que não pode pensar na vida
sem o balé. A única fase em que precisou ficar afastada das aulas foi
quando teve uma lesão e não pôde dançar por cinco meses. "Foi um
sofrimento, mas agora estou bem", diz, aliviada.
A bailarina embarcou para a Alemanha para estudar balé na Fundação
Heinz Bosl, da Universidade de Artes de Munique. Sinthia fará parte da
Junior Company e poderá dançar com a companhia principal. "Até agora, é
difícil acreditar. A ficha só vai cair quando eu estiver lá na sala de
aula com outros professores, outros alunos, dividindo a forma de
trabalhar de modo diferente."
O contrato, de um ano, pode ser
renovado por mais 12 meses. A diretora da escola Maria Olenewa, Maria
Luisa Noronha, foi quem conseguiu a vaga para Sinthia. "Ela está
felicíssima. Eu estou tão contente que parece que sou eu. Fico pulando
de felicidade, porque consegui colocar esta menina numa companhia muito
boa", conta, animada, Maria Luisa.
Morador do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, Luiz Fernando
Daniel Rego estuda na Maria Olenewa, mas Já fazia um projeto de dança na
comunidade, quando foi incentivado a se inscrever na escola do Theatro
Municipal. No começo, diante da rigidez dos professores, pensou em
desistir. "Eu me sentia mal. Não me sentia acolhido por todos. Aí,
comecei a conversar com os professores e eles me deram apoio."
Luiz Fernando chegou a ter algumas faltas, mas acabou chegando à
conclusão de que queria mesmo fazer balé, e não podia ser fora da
Olenewa. "Se a escola não me desse a técnica, eu não estaria aqui hoje",
diz o jovem, cujo sonho é ser o primeiro bailarino do Municipal. Ele
pensa também em cursos no exterior. "Quero estudar na Alvin Ailey
[escola de dança de Nova York, nos Estados Unidos]. Eu tenho grandes
aspirações e isso me motiva."
Para chegar a um destaque maior
neste universo não adianta ter apenas a técnica da dança. É preciso ter
uma formação completa e expandir a cultura. Paulo Melgaço, que há 23
anos é professor de história da dança na escola, informa que, além de
cursarem outras disciplinas, até um jornal é produzido pelos alunos.
"Produzem as matérias e fazem as entrevistas. Tentamos formar sujeitos,
seres humanos para a vida."
Vida difícil
Apesar de a
imagem dos bailarinos ser lúdica e fazer parte do imaginário de muita
gente, a vida deles é difícil. São muitos estudos e ensaios para
aprimorar a técnica, contusões, dores e tratamentos contra lesões,
Existe, porém, compensação.
"Não tem explicação. O bailarino
está com dor, toma um remédio e dança. Eu já dancei sem unha. Enquanto a
gente 'está bailarina", a gente quer dançar. É o que alimenta a gente.
[Sem a dança] é como se tirassem o nosso feijão com arroz e a nossa
água", disse a primeira bailarina do Municipal, Claudia Mota, que
começou a estudar balé aos 4 anos e se formou na Escola Maria Olenewa.
Segundo Claudia, a satisfação aumenta se a próxima apresentação for com
o balé favorito. "Giselle. Dizem que quando a bailarina chega a fazer
Giselle, ela se torna uma grande bailarina, porque é uma carga emocional
muito grande, aliada a um esforço físico muito grande. É um balé muito
respeitado e antigo. É muito difícil interpretar e viver Giselle. É uma
história muito linda e um desafio para a bailarina", diz Claudia.
Giselle foi um balé que marcou sua carreira: "Já dancei aqui no
Municipal, já dancei fora, já fiz tournées [viagem com itinerários
determinados com finalidade artística]. É um balé de que eu gosto,
porque sou dramática."
Para Maria Luisa Noronha, que tem uma
vida dedicada à dança e, além de ser bailarina, pôde passar para o outro
lado do balcão ao assumir a direção da escola, o fato de ser pública e a
qualidade do ensino explicam a grande procura da Olenewa. "Mas a
qualidade do ensino é o lance da excelência. Tem aula todo dia. A dança
dá disciplina e uma formação muito boa."
Duas das primeiras
bailarinas do Theatro Municipal do Rio também estão passando por uma
experiência nova. Há dois meses, Ana Botafogo e Cecilia Kerche dividem a
direção do corpo de baile e a tarefa não tem sido fácil. "É a maior
companhia de dança clássica no Brasil, a mais importante, com mais
tradição. Vamos fazer 80 anos de vida no ano que vem. Então, é um
privilégio, mas uma grande responsabilidade e uma grande missão", afirma
Ana Botafogo.
De acordo com Ana, a renovação do corpo de baile é
feita, em parte, com alunos que se formam na escola Maria Olenewa. "Mas
não passam automaticamente. Podem se formar, mas nem todos acabam
virando bailarinos." Alguns se tornam professores e outros, coreógrafos.
Se depender da menina Anoushka Durão, de 8 anos, o futuro já está
traçado. Desde o início do ano, ela frequenta as aulas – todos os dias
vai para lá com um sorriso no rosto e com os olhos brilhando. "É muito
legal porque é a minha chance de ser uma bailarina profissional. Preciso
praticar muito", afirma Anoushka, ao lado da mãe, a fotógrafa canadense
Chantal James, que mora no Brasil há dez anos e já foi bailarina.
Cecilia Kerche diz que se vê nas crianças que chegam à escola e
pretendem seguir a carreira. Ela conta que seu primeiro contato com a
dança foi quando assistiu a uma aula e ficou fascinada com o giro das
bailarinas na ponta dos pés. "Me encantou e vejo esse encantamento
também nas crianças que encontro. Aqui a criança já fica vendo o futuro
dela [no contato com os bailarinos do corpo de dança] e sabendo que, com
o árduo trabalho na escola, será possível fazer o seguimento artístico
da carreira."
Inscrições abertas
Neste mês a escola
recebe inscrições de novos alunos. Arlene Ramos conhece bem essa rotina:
mãe de uma ex-aluna, depois de acompanhar a filha, que entrou para a
escola em 1989, acabou como funcionária. Todos os anos, Arlene vê a
ansiedade de quem se inscreve e pretende seguir no ballet. "Todo mundo
chega aqui e diz que a filha é uma Ana Botafogo e que vai passar. Sempre
tem. Ela [Ana Botafogo] é uma referência."
Sabrina Cunha, que
mora no centro do Rio, foi logo ao teatro no primeiro dia de inscrição
por insistência da filha, que há três meses dizia que queria tentar
fazer a seleção. "Quero que minha filha dance aqui, até pelo fato de ser
bailarina do Theatro Municipal, que tem bastante nome lá fora",
confessa Sabrina, referindo-se à qualidade do ensino. "Tenho certeza de
que ela vai passar na seleção. Vai ser a única bailarina da família."
A enfermeira Maria Efigênia de Oliveira, moradora de Botafogo, tenta
explicar o papel dos pais no incentivo aos filhos que querem entrar no
mundo da dança. A filha de Maria Efigência faz balé desde os 5 anos e
agora, aos 9, quer passar pela seleção na Maria Olenewa. A mãe diz que
está preparada para ficar sentada em um banco, do lado de fora das salas
de aula, esperando a filha terminar o este. "Pelos filhos, a gente faz
qualquer coisa, porque vale a pena. Vale muito a pena", afirma.
A
funcionária Arlene destaca que, no início, o movimento das inscrições é
mais fraco, mas, no meio do mês, começa a aumentar e, perto do
encerramento, a corrida é grande. "Tem até que distribuir senha." Arlene
diz que já acompanhou o desenvolvimento da carreira de muitos alunos e,
com felicidade, cita o sucesso alcançado por Sinthia Liz. "A gente fica
muito contente e emocionada, a Sinthia está indo para Munique. A gente a
viu começar no preliminar. É muita emoção."
Fonte: Agência Brasil, em 5/10/2015.
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