A necessidade de revisão do Fundeb, o principal mecanismo
de financiamento da educação básica e que representa R$ 4 a cada R$ 10 gastos na
área, tem mobilizado políticos, especialistas e ONGs em busca de
melhorias. O modelo atual vence em 2020 e há dois projetos em trâmite no
Congresso.
Estão em discussão alterações que podem ampliar em até
cinco vezes os investimentos da União e a melhoria dos critérios de
distribuição --o que privilegiaria municípios mais pobres. Por outro lado,
há o temor de que o país perca a oportunidade de promover ajustes relevantes ou
até mesmo que o fundo não seja renovado.
O Fundeb reúne impostos de estados e municípios e uma
complementação da União. Sua revisão será uma das pautas legislativas mais
importantes do próximo governo, dada a dependência de praticamente todas as
redes públicas do país dessas verbas.
Em quatro de cada dez municípios, ele responde por ao menos
70% do orçamento da educação. Os dados foram tabulados pelo Movimento Todos
pela Educação a partir de estudo técnico da Câmara, que apurou os gastos de 93%
dos municípios. Incorreções nas prestações de contas dificultam o levantamento
total.
A briga por mais recursos da União ganha maior relevância
porque o Fundeb ficou fora do teto de gastos públicos, medida aprovada pelo
governo Michel Temer em 2016. Neste ano, o fundo distribuiu R$ 148,3 bilhões.
O Fundeb funciona assim: parte da arrecadação dos estados e
municípios é reservada para o fundo. Todos os anos, o MEC determina um valor
mínimo anual por estudante, que é válido para todo o país. Neste ano, foi de R$
3.016,67.
A União repassa um volume correspondente a
10% da arrecadação total, a ser distribuído entre aqueles que não atingiram o
valor mínimo. Depois, as verbas do fundo de cada estado são redistribuídas
entre as redes, com base no número de alunos por modalidade - ensino integral
recebe mais, por exemplo.
Em 2018, receberam a complementação Alagoas, Amazonas,
Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí. Isso inclui seus
respectivos municípios.
O projeto em trâmite na Câmara prevê aumentar a
complementação da União de 10% para 30%. Pelo texto apresentado no
Senado, o incremento chegaria a 50%, o que representaria quase R$ 49 bilhões a
mais do que hoje.
Isso aumentaria o protagonismo da União no financiamento da
Educação, o que é defendido por especialistas. Quase 80% do gasto do ensino
básico sai dos cofres de municípios e estados.
Criado em substituição a outro fundo, o Fundef,
em 2007, o Fundeb teve um efeito positivo. Sem ele, haveria cidades
com menos de R$ 500 por ano por aluno. Também passou a levar em conta
matrículas da creche ao ensino médio
-o Fundef só considerava o fundamental.
Por conta das desigualdades regionais, o valor
investido por aluno no ano (considerando o Fundeb e todas outras
fontes de gastos) varia quase sete vezes no país. Enquanto Pinto
Bandeira (RS) tem um gasto anual de R$ 19.559,61 por aluno, Buriti (MA) tem R$
2.911,94 - valores de referência de 2015.
A prefeitura do município do interior maranhense tem
menos de R$ 243 por mês por estudante. E aí estão incluídos todos os gastos com
educação, de salário dos professores a merenda e transporte.
Praticamente todo o orçamento da educação de Buriti depende
do Fundeb. "Temos muitas dificuldades e tentamos fazer alguma coisa. Mas
oferecer educação de qualidade mesmo... é complicado", disse a secretária
de Educação, Rosinalva Cardoso.
A situação está longe de ser isolada. Das 5.570 cidades do
país, 62% (3.199) têm disponíveis menos de R$ 400 por mês por aluno.
"O foco é como o Fundeb poderá melhorar as condições
de financiamento dos locais mais precários, para garantir o mínimo de qualidade
da oferta de ensino", diz o coordenador de projetos do Todos Pela
Educação, Caio Callegari.
O Todos pela Educação tem reunido uma série de estudiosos
para discutir novos formatos do mecanismo, e mantém contato com
parlamentares. O movimento é a favor do aumento da complementação da
União, mas, segundo Callegari, ainda não defende percentual específico. Também
se avalia aglutinar ferramentas para a indução de qualidade, como redução de
desigualdades educacionais.
A atenção principal tem sido dada à alteração nas regras de
distribuição, para levar em conta o município e sua realidade econômica na
divisão do bolo. Hoje, a complementação da União se organiza pelo estado, não
pela cidade.
Estudo da Câmara com base nos dados de 2015 indica que uma
redistribuição mais justa, mesmo sem aumentar o dinheiro federal, poderia
elevar o valor mínimo por aluno para R$ 3.933,00 - alta de 35%.
Cidades pobres que estão fora dos estados que tradicionalmente
recebem a complementação da União poderiam ser beneficiadas. Em Monteiro Lobato
(150 km de SP), por exemplo, que tem nível socioeconômico abaixo da média do
estado, o Fundeb representou um acréscimo de apenas 2% no valor anual recebido
antes da criação do fundo.
Para fechar as contas, diz a secretária de Educação, Ellen
Bertolini, a gestão precisa estabelecer prioridades: em um ano, por exemplo,
reforma as escolas; no outro, repõe os livros das salas de leitura.
Para Fernando Luiz Abrucio, da FGV, é importante direcionar
mais dinheiro para os municípios mais pobres e, em alguma medida, incentivar
práticas que melhorem os resultados educacionais. Um sistema efetivo de
colaboração entre governo federal, estados e municípios é imprescindível para
isso, diz ele.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação e outros atores
defendem que os valores do Fundeb estejam relacionados a um padrão mínimo de
qualidade (levando em conta do salário do professor à estrutura das escolas).
"Hoje o critério é aritmético. Precisamos compor a
complementação com critério qualitativo. E seria justamente esse o papel da
União na complementação de 50%", diz Salomão Ximenes, da Universidade
Federal do ABC.
Sobre a complementação da União no Fundeb, o MEC diz que é
"defensor dos recursos para a educação e entende que há muito que pode ser
feito hoje em termos de alocação equitativa e eficiente".
Entenda o que pode mudar no fundeb
Repasse da União
COMO é: União complementa o Fundeb (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação) com no mínimo 10% do valor do fundo arrecadado por
estados e municípios.
O QUE PROPÕE O CONGRESSO: Projeto na Câmara defende
mínimo de 30%, enquanto proposta do Senado quer no mínimo 50%.
OUTRAS PROPOSTAS: especialistas concordam que é
preciso aumentar o percentual de contribuição da União, mas não há unanimidade
sobre o valor a ser definido.
Distribuição entre estados e municípios
COMO é: o MEC define um valor mínimo anual por aluno a
partir da arrecadação de impostos e do número de matrículas. Os estados que não
arrecadam o suficiente para atingir esse valor recebem a complementação da
União. Os recursos são divididos por meio de fundos estaduais e depois
repassados para os municípios levando em consideração o número de estudantes em
cada etapa e modalidade - creche custa mais que ensino fundamental, por exemplo.
O QUE PROPÕE O CONGRESSO: para projeto da Câmara,
ponderação dos recursos deve levar em conta modalidade de ensino, nível
socioeconômico dos alunos e o CAQ (Custo Aluno-Qualidade, um indicador que
especifica quanto é preciso investir por aluno para garantir condições mínimas
de qualidade). Projeto do Senado cita apenas o CAQ e a etapa de ensino.
OUTRAS PROPOSTAS: o Movimento Todos Pela Educação e a
Confederação Nacional de Municípios, por exemplo, propõem um modelo de repasse
que combine fatores de ponderação das matrículas por etapa, indicadores
socioeconômicos e indicadores fiscais dos municípios.
Custo Aluno Qualidade
COMO é: o Custo Aluno-Qualidade é um indicador, ainda não
implementado, que especifica quanto é preciso investir por aluno para
garantir uma educação de qualidade para todos. O PNE (Plano Nacional de
Educação) prevê que seja usado como parâmetro para o financiamento da
educação básica, sobretudo para aumentar o protagonismo da União na
transferência de recursos. Ele não é mencionado no atual Fundeb e ainda
não há uma regulamentação que defina que critérios devem ser levados em conta no
cálculo do índice.
O QUE PROPÕE O CONGRESSO: as duas propostas afirmam que o
CAQ deve ser levado em conta na hora dos repasses, mas não especificam de que
forma.
OUTRAS PROPOSTAS: movimentos em defesa da educação pública
afirmam que o CAQ é importante para reduzir as desigualdades entre as redes do
país, mas há disputas sobre que fatores devem ser usados para calcular o
índice. Há também o entendimento de que o Fundeb representa apenas parte
do financiamento da educação básica e a inclusão do CAQ no dispositivo
seria inadequada.
Pagamento de professores
COMO é: no mínimo 60% do valor recebido por estados e
municípios deve ser usado para pagar professores.
O QUE PROPÕE O CONGRESSO: Projeto na Câmara quer que no
mínimo 70% do valor recebido seja usado para pagar profissionais da educação
(não só professores), enquanto o do Senado pede 60% para profissionais do
magistério. Nos dois, quem não tiver condições de arcar com o piso nacional
receberá auxílio da União.
Fonte: Folha UOL Educação em 26/08/2018.
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