quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Fundo bilionário da educação vence em 2020


A necessidade de revisão do Fundeb, o principal mecanismo de financiamento da educação básica e que representa R$ 4 a cada R$ 10 gastos na área, tem mobilizado políticos, especialistas e ONGs em busca de melhorias. O modelo atual vence em 2020 e há dois projetos em trâmite no Congresso.

Estão em discussão alterações que podem ampliar em até cinco vezes os investimentos da União e a melhoria dos critérios de distribuição --o que privilegiaria municípios mais pobres. Por outro lado, há o temor de que o país perca a oportunidade de promover ajustes relevantes ou até mesmo que o fundo não seja renovado.

O Fundeb reúne impostos de estados e municípios e uma complementação da União. Sua revisão será uma das pautas legislativas mais importantes do próximo governo, dada a dependência de praticamente todas as redes públicas do país dessas verbas.

Em quatro de cada dez municípios, ele responde por ao menos 70% do orçamento da educação. Os dados foram tabulados pelo Movimento Todos pela Educação a partir de estudo técnico da Câmara, que apurou os gastos de 93% dos municípios. Incorreções nas prestações de contas dificultam o levantamento total.

A briga por mais recursos da União ganha maior relevância porque o Fundeb ficou fora do teto de gastos públicos, medida aprovada pelo governo Michel Temer em 2016. Neste ano, o fundo distribuiu R$ 148,3 bilhões.

O Fundeb funciona assim: parte da arrecadação dos estados e municípios é reservada para o fundo. Todos os anos, o MEC determina um valor mínimo anual por estudante, que é válido para todo o país. Neste ano, foi de R$ 3.016,67.

A União repassa um volume correspondente a 10% da arrecadação total, a ser distribuído entre aqueles que não atingiram o valor mínimo. Depois, as verbas do fundo de cada estado são redistribuídas entre as redes, com base no número de alunos por modalidade - ensino integral recebe mais, por exemplo.

Em 2018, receberam a complementação Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí. Isso inclui seus respectivos municípios.

O projeto em trâmite na Câmara prevê aumentar a complementação da União de 10% para 30%. Pelo texto apresentado no Senado, o incremento chegaria a 50%, o que representaria quase R$ 49 bilhões a mais do que hoje.

Isso aumentaria o protagonismo da União no financiamento da Educação, o que é defendido por especialistas. Quase 80% do gasto do ensino básico sai dos cofres de municípios e estados.

Criado em substituição a outro fundo, o Fundef, em 2007, o Fundeb teve um efeito positivo. Sem ele, haveria cidades com menos de R$ 500 por ano por aluno. Também passou a levar em conta matrículas da creche ao ensino médio -o Fundef só considerava o fundamental.

Por conta das desigualdades regionais, o valor investido por aluno no ano (considerando o Fundeb e todas outras fontes de gastos) varia quase sete vezes no país. Enquanto Pinto Bandeira (RS) tem um gasto anual de R$ 19.559,61 por aluno, Buriti (MA) tem R$ 2.911,94 - valores de referência de 2015.

A prefeitura do município do interior maranhense tem menos de R$ 243 por mês por estudante. E aí estão incluídos todos os gastos com educação, de salário dos professores a merenda e transporte.

Praticamente todo o orçamento da educação de Buriti depende do Fundeb. "Temos muitas dificuldades e tentamos fazer alguma coisa. Mas oferecer educação de qualidade mesmo... é complicado", disse a secretária de Educação, Rosinalva Cardoso.

A situação está longe de ser isolada. Das 5.570 cidades do país, 62% (3.199) têm disponíveis menos de R$ 400 por mês por aluno.

"O foco é como o Fundeb poderá melhorar as condições de financiamento dos locais mais precários, para garantir o mínimo de qualidade da oferta de ensino", diz o coordenador de projetos do Todos Pela Educação, Caio Callegari.

O Todos pela Educação tem reunido uma série de estudiosos para discutir novos formatos do mecanismo, e mantém contato com parlamentares. O movimento é a favor do aumento da complementação da União, mas, segundo Callegari, ainda não defende percentual específico. Também se avalia aglutinar ferramentas para a indução de qualidade, como redução de desigualdades educacionais.

A atenção principal tem sido dada à alteração nas regras de distribuição, para levar em conta o município e sua realidade econômica na divisão do bolo. Hoje, a complementação da União se organiza pelo estado, não pela cidade.
Estudo da Câmara com base nos dados de 2015 indica que uma redistribuição mais justa, mesmo sem aumentar o dinheiro federal, poderia elevar o valor mínimo por aluno para R$ 3.933,00 - alta de 35%.

Cidades pobres que estão fora dos estados que tradicionalmente recebem a complementação da União poderiam ser beneficiadas. Em Monteiro Lobato (150 km de SP), por exemplo, que tem nível socioeconômico abaixo da média do estado, o Fundeb representou um acréscimo de apenas 2% no valor anual recebido antes da criação do fundo.

Para fechar as contas, diz a secretária de Educação, Ellen Bertolini, a gestão precisa estabelecer prioridades: em um ano, por exemplo, reforma as escolas; no outro, repõe os livros das salas de leitura.

Para Fernando Luiz Abrucio, da FGV, é importante direcionar mais dinheiro para os municípios mais pobres e, em alguma medida, incentivar práticas que melhorem os resultados educacionais. Um sistema efetivo de colaboração entre governo federal, estados e municípios é imprescindível para isso, diz ele.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação e outros atores defendem que os valores do Fundeb estejam relacionados a um padrão mínimo de qualidade (levando em conta do salário do professor à estrutura das escolas).

"Hoje o critério é aritmético. Precisamos compor a complementação com critério qualitativo. E seria justamente esse o papel da União na complementação de 50%", diz Salomão Ximenes, da Universidade Federal do ABC.

Sobre a complementação da União no Fundeb, o MEC diz que é "defensor dos recursos para a educação e entende que há muito que pode ser feito hoje em termos de alocação equitativa e eficiente".

Entenda o que pode mudar no fundeb

Repasse da União

COMO é: União complementa o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) com no mínimo 10% do valor do fundo arrecadado por estados e municípios.

O QUE PROPÕE O CONGRESSO: Projeto na Câmara defende mínimo de 30%, enquanto proposta do Senado quer no mínimo 50%.

OUTRAS PROPOSTAS: especialistas concordam que é preciso aumentar o percentual de contribuição da União, mas não há unanimidade sobre o valor a ser definido.

Distribuição entre estados e municípios

COMO é: o MEC define um valor mínimo anual por aluno a partir da arrecadação de impostos e do número de matrículas. Os estados que não arrecadam o suficiente para atingir esse valor recebem a complementação da União. Os recursos são divididos por meio de fundos estaduais e depois repassados para os municípios levando em consideração o número de estudantes em cada etapa e modalidade - creche custa mais que ensino fundamental, por exemplo.

O QUE PROPÕE O CONGRESSO: para projeto da Câmara, ponderação dos recursos deve levar em conta modalidade de ensino, nível socioeconômico dos alunos e o CAQ (Custo Aluno-Qualidade, um indicador que especifica quanto é preciso investir por aluno para garantir condições mínimas de qualidade). Projeto do Senado cita apenas o CAQ e a etapa de ensino.

OUTRAS PROPOSTAS: o Movimento Todos Pela Educação e a Confederação Nacional de Municípios, por exemplo, propõem um modelo de repasse que combine fatores de ponderação das matrículas por etapa, indicadores socioeconômicos e indicadores fiscais dos municípios.

Custo Aluno Qualidade

COMO é: o Custo Aluno-Qualidade é um indicador, ainda não implementado, que especifica quanto é preciso investir por aluno para garantir uma educação de qualidade para todos. O PNE (Plano Nacional de Educação) prevê que seja usado como parâmetro para o financiamento da educação básica, sobretudo para aumentar o protagonismo da União na transferência de recursos. Ele não é mencionado no atual Fundeb e ainda não há uma regulamentação que defina que critérios devem ser levados em conta no cálculo do índice.

O QUE PROPÕE O CONGRESSO: as duas propostas afirmam que o CAQ deve ser levado em conta na hora dos repasses, mas não especificam de que forma.

OUTRAS PROPOSTAS: movimentos em defesa da educação pública afirmam que o CAQ é importante para reduzir as desigualdades entre as redes do país, mas há disputas sobre que fatores devem ser usados para calcular o índice. Há também o entendimento de que o Fundeb representa apenas parte do financiamento da educação básica e a inclusão do CAQ no dispositivo seria inadequada.

Pagamento de professores

COMO é: no mínimo 60% do valor recebido por estados e municípios deve ser usado para pagar professores.

O QUE PROPÕE O CONGRESSO: Projeto na Câmara quer que no mínimo 70% do valor recebido seja usado para pagar profissionais da educação (não só professores), enquanto o do Senado pede 60% para profissionais do magistério. Nos dois, quem não tiver condições de arcar com o piso nacional receberá auxílio da União.

Fonte: Folha UOL Educação em 26/08/2018.

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